Numa altura em que parece evidente que vamos entrar numa nova fase de escalada e sanções do Ocidente contra a Rússia por causa da invasão da Ucrânia, pese embora algumas divisões sobre o embargo do petróleo e do gás – o que é compreensível pela dependência energética de cada País – é igualmente um facto que a tendência altista e de pressão inflacionista se vai prolongar em função das expetativas (e incertezas) quanto à duração do conflito.
E se a Indústria deixou de ser o centro das atenções dos media porque já fomos relativamente claros em matéria de aprovisionamento de matérias-primas para a alimentação animal e que não vamos ter problemas de maior na alimentação dos animais até final do ano – apesar das empresas terem graus de cobertura diferentes – é uma evidência, confirmada por organizações internacionais insuspeitas, como por exemplo o Banco Mundial, que nos iremos confrontar com preços em alta até 2024 e que os bens alimentares vão continuar sob pressão, com a inflação a atingir níveis históricos de 30 anos.
E com ela, todas as consequências em matéria de salários, taxas de juro, bem-estar económico e social, pressionando os Governos para a continuidade das ajudas, a montante e a jusante, sobretudo com medidas harmonizadas à escala da União Europeia, que têm de ser cada vez mais claras na sua explicação, eficazes na sua implementação e inclusivas, de forma a evitar situações de distorção de concorrência entre setores ou entre Estados-membros. Por outro lado, essas serão tanto mais eficientes e percecionadas de uma forma mais positiva, quanto melhor articuladas forem com as empresas, à luz do funcionamento da economia e da interligação entre as diferentes fileiras.
O exemplo do que aconteceu esta semana com as gasolineiras e a repercussão do IVA no gasóleo e na gasolina ou a baixa do IVA no gasóleo agrícola, que não terá sido contemplado, é um péssimo exemplo de comunicação e, ainda mais grave, do desconhecimento de como funciona a economia num Estado de Direito e com instrumentos que ainda privilegiam a livre concorrência.
É tudo isso que não queremos que venha a acontecer no setor da alimentação animal com a suspensão do IVA nos alimentos compostos, vulgo rações.
De facto, é nesta conjuntura de preocupações, de constantes alterações de formulações, de instabilidade contínua, no curto prazo e no mais longo prazo. Numa altura em que a China adotou uma “política Covid 0” com impactos no aprovisionamento, ou em que o trigo voltou a disparar no mercado pelo prolongamento da guerra e em que as previsões de menor oferta da Índia e outros países são uma realidade…o mesmo acontecendo com o milho e a soja, a Indústria, já a lidar com a inerente tensão dos mercados viu-se confrontada com a aplicação da Lei nº 10-A/2022, de 28 de abril, que isenta de IVA adubos, fertilizantes, corretivos de solos, mas também matérias-primas e rações para a alimentação animal.
Tudo claro? Longe disso, foi uma semana muito agitada, de pedido de respostas e de clarificação porque o setor queria, e quer, transparência no cumprimento da Lei. Na segunda-feira chegou uma interpretação do IVA através de um Ofício Circular que pretendia clarificar e tornou tudo ainda mais confuso.
Pedimos esclarecimentos oficiais, insistimos, com o Governo e a Autoridade Tributária. A resposta: nada, silêncio, enquanto as empresas, e a IACA que os representa, numa postura proativa, avançavam com uma interpretação e a assumiam, correndo todos os riscos. Ainda os corremos, mas estamos apoiados em pareceres, análises, contributos de empresas de contabilidade, técnicos de contas, contactos informais, mas dos Assuntos Fiscais e do IVA, nenhuma resposta até hoje, altura em que redigimos estas notas.
Para a IACA, a isenção do IVA nos alimentos compostos para animais de criação, ficando de fora os petfood e as situações previstas no Ofício da Autoridade Tributária, só faz sentido se forem igualmente isentas as matérias-primas e todos os produtos para a alimentação animal.
Caso contrário, será o setor penalizado por elevados encargos financeiros, criando ainda maiores constrangimentos de tesouraria.
Uma das soluções passaria pela emissão de declarações da Indústria aos fornecedores sobre o destino das matérias-primas, se para petfood ou animais de criação, mas a complexidade e burocracia destes procedimentos tornam tudo mais moroso, originam perda de tempo e recursos e diminuem a eficácia nos objetivos de uma Lei que, desde o início, deveria ter sido clara e transparente.
A alternativa, que analisámos já hoje com o Gabinete da Ministra da Agricultura e o Secretário de Estado da Agricultura e que mereceu, ao que sabemos, a sua compreensão foi o de isentar de IVA as matérias-primas e produtos destinados a todas as rações, uma vez que os alimentos para petfood representam menos de 4% de um mercado que no seu conjunto movimenta em Portugal cerca de 4,5 milhões de toneladas de alimentos compostos para animais. Sem colocar naturalmente em causa a continuidade do IVA nos alimentos para animais de companhia e demais situações previstas e tipificadas na Lei.
É evidente que sabemos que vão existir pressões, talvez legítimas, de setores ligados à alimentação de animais de companhia, produtores, associações de criadores e Uniões Zoófilas a exigir isenção ou redução do IVA para este segmento de mercado. As justificações são igualmente compreensíveis: os preços das rações que, em alguns casos duplicaram, o reduzido poder de compra dos consumidores, o problema, muito sério, do abandono de animais e o seu bem-estar.
Um debate a que vamos assistir nos próximos dias porque o mercado não dá tréguas, as dificuldades vão continuar, a guerra sem fim à vista, a Alemanha, grande motor da economia europeia que pode entrar num ciclo de recessão e a Espanha, principal parceiro de Portugal, com quebra no PIB.
Inflação, dívida pública, revisão do crescimento do PIB, matérias-primas em alta, disrupção das cadeias de abastecimento, preços que se situam aquém dos custos de produção, grande pressão em setores como o leite ou a carne de porco (em que se desespera desde há largos meses) receios de encerramento das explorações, redução de efetivos, abandono, diminuição da competitividade de um Setor, Agricultura e Alimentação, essencial para os portugueses e cujas ajudas são bem-vindas mas insuficientes ou mal percecionadas pelos agentes do setor.
No nosso caso, 5 dias após a entrada em vigor da Lei nº 10-A/2022 e conhecendo as questões que se colocam aos nossos colegas dos adubos, fertilizantes e corretivos dos solos, se não tivermos as respostas corretas às nossas dúvidas – que confirmem a nossa interpretação e posição, oficialmente por quem de direito, ou seja, a Autoridade Tributária – corremos o risco de criar ainda maior instabilidade e incerteza, que nada acrescenta, pelo contrário, só retira energia e tempo ao que é essencial: contribuir para que o setor seja competitivo e continue a alimentar os consumidores portugueses.
Será que não temos direito a respostas?
Caso contrário melhor será avançar com a correspondente ajuda aos produtores agrícolas e pecuários para a aquisição dos fatores de produção e/ou, como já aconteceu em alguns Estados-membros, isentar de IVA, no consumidor final, os bens essenciais e de primeira necessidade.
Em nome da transparência, da equidade e de um bem-estar social. E de uma agricultura e um agroalimentar mais competitivos e sustentáveis.
Mais eficaz para travar a crise que, infelizmente, não vai ficar por aqui.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em IACA.