A procuradora da República Ana Mexia afirmou hoje, nas alegações finais do processo para determinar eventuais responsabilidades criminais dos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, que “as vítimas mereciam a proteção dos arguidos”.
“As vítimas mereciam a proteção dos arguidos [responsáveis pela gestão das faixas de combustível]”, afirmou Ana Mexia, no Tribunal Judicial de Leiria, considerando que, “do ponto de vista das vítimas, era exigível que os arguidos tivessem cumprido os seus deveres”.
Ana Mexia, que hoje, como no primeiro dia do julgamento, em 24 de maio de 2021, está acompanhada pela procuradora coordenadora da Comarca de Leiria, Ana Simões, magistrada que dirigiu o inquérito, declarou que as vítimas “não pereceram resultado de um risco usual da vida social, como se meramente tivessem pouca sorte ou se estivessem no sítio errado à hora errada”.
Recorrendo à apresentação de diapositivos, a magistrada do Ministério Público (MP) enquadrou juridicamente as faixas de gestão de combustível e o dever dos arguidos em fazer a sua gestão.
“Nesse dia, 17 de junho [2017], já não havia nada a fazer” em termos das faixas de gestão de combustível, considerou, referindo, contudo, que os arguidos deveriam ter previsto o resultado.
Enumerando as vantagens das faixas de gestão de combustível – “atrasa o ritmo de propagação, diminui a intensidade do fogo, diminui a inflamabilidade dos combustíveis, protege infraestruturas e espaços onde há presença humana” -, a procuradora sustentou que a questão em julgamento é se “o fogo de 2017 escapou ao domínio dos arguidos”.
“Os arguidos estavam em condições de identificar o risco e, em segundo lugar, de gerir o risco?”, questionou, reiterando que os responsáveis pelas faixas de gestão de combustível deveriam prever o resultado.
As alegações começaram às 10:15 e estão presentes os 11 arguidos.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público (MP).
Neste caso, destaca-se a Estrada Nacional 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos, onde ocorreu a maioria das mortes. A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.