Com o inicio dos debates acerca da avaliação do estado da PAC em 2002, e na expectativa da formalização da posição da Comissão Europeia a esse propósito, começam a surgir algumas clarificações oficiosas acerca do que poderá ser a evolução próxima da PAC e da política leiteira.
Por outro lado, alguns Ministros de alguns Estados Membros divulgaram nos últimos meses posições mais ou menos ousadas, mais ou menos programáticas, acerca do seu entendimento para essa avaliação. Uns pretendem que seja isso mesmo, outros pretendem alguma revisão de mecanismos ou aspectos parcelares da Politica, e outros visionam a sua reforma radical.
No caso do sector leiteiro, existem já indícios ou factos que permitem posicionar a politica leiteira para os anos próximos num quadro de alguma estabilidade.
As Propostas da Câmara dos Representantes e do Comité Agricultura do Senado dos EUA
As propostas da Câmara, aceites e confirmadas pelo Comité Agricultura do Senado são essencialmente conservadoras (o que não espanta), na medida em que mantêm quase inalterada a politica leiteira até aqui em vigor, seja no que toca aos mecanismos da politica, seja no que toca ao nível de preços de apoio à Produção.
Apesar de ser ainda necessária a sua aprovação no Plenário do Senado, as linhas programáticas e orçamentais até ao presente consagradas deverão de algum modo ser tidas em conta pela Administração. Mesmo sabendo-se que as posições até aqui expressas pela Secretário de Estado da Agricultura estão muito afastadas, no plano dos princípios, das que estão até aqui formalizadas no seio do Congresso.
Por outro lado, convém também ter presente que qualquer alteração reformista da politica leiteira norte americana acarretaria uma sobrecarga para o orçamento, em época em que as Autoridades norte americanas se preparam para reafectar os recursos de que dispõem para reforçar certos aspectos da politica externa e de segurança.
Este é aliás o paradoxo contemporâneo da reforma das políticas agrícolas.
Por um lado, é solicitado aos Governos que as reformem, baixando preços e compensando nalgum grau essa baixa com transferências orçamentais para o Sector. Por outro lado, são-lhe impostos, ou impõem-se, limites de despesa publica rígidos, que contrariam a necessidade de aumentar a despesa com a Agricultura…
Os Esboços na União Europeia
A evolução da politica agrícola norte-americana tem sido decisiva, e de algum modo percursora, para a evolução da politica agrícola na União.
Por isso, não se estranham algumas declarações recentes do Comissário para a Agricultura, que já deixou antever esboços das esperadas propostas da Comissão.
É desde logo de salientar que as tem desvalorizado enquanto instrumento de mudanças radicais na PAC, e que arrefeceu simultaneamente as ousadias liberais de alguns Estados Membros, que admitiam que a Comissão avançasse com propostas radicais de reforma da PAC, ou que tiveram eles próprios a iniciativa de as fazer. Mesmo que não fosse “para valer”.
Afigura-se portanto, para já, que a Avaliação ou a “Revisão” da PAC poderá ser, no essencial, uma recuperação e/ou uma extensão dos objectivos fixados nas propostas da Agenda 2000, embora o Comissário Fischler já tenha admitido que são necessárias e urgentes medidas de fundo no sector da Carne Bovina, e em menor escala no do Trigo Duro e do Centeio.
Vectores de Enquadramento
Surge daí uma dificuldade nuclear. Sendo inexistentes as possibilidades de obter meios orçamentais adicionais até 2007 para custear essas medidas, é óbvio que será necessário encontrar e desviar fundos, no seio da PAC, para as financiar. Não será fácil a sua resolução.
Um factor algo inesperado a ter também em conta, que surgiu entretanto, são as posições do Ministro da França (um Estado muito influente nas decisões sobre a PAC), que subscreveu uma declaração com a Ministra da Alemanha na qual se revelou muito menos conservador que os seus antecessores. Mas entretanto o Presidente da República francês também já arrefeceu os ímpetos do Ministro…
Há também que ter em consideração os efeitos do calendário eleitoral em 2002, que exibe eleições na Alemanha e em França, que serão realizadas, e farão sentir os seus efeitos, certamente antes de terminarem as discussões no Conselho de Ministros Agrícola…
No entanto, no caso da Alemanha, a posição reformista liberal foi reforçada já em Novembro com um documento, onde figuram propostas de modulação e degressividade obrigatórias das ajudas, a criação de um prémio por ha de pastagens permanentes, e a abolição das quotas leiteiras em 2008
E no que toca ao Alargamento a Leste, até já a Polónia se declarou pronta a aplicar o regime de quotas, e o respectivo Parlamento aprovou recentemente legislação para introduzir o regime de quotas no País, em 1 de Abril próximo.
O Leite
Nos seus discursos e comentários mais recentes, o Comissário deu a entender que a Política Leiteira não será alterada em aspectos essenciais pela Avaliação/”Revisão”.
Não se estranhará todavia que seja proposto o reforço de alguns critérios ambientais na OCM do Leite.
Neste caso, espera-se que impere o bom senso e que seja bem enquadrado o fundamentalismo burocrático ou nórdico, para ter em conta a realidade da Produção e dos Sistemas produtivos em todas as regiões da União.
O Comissário tem sido todavia explicito ao afirmar que não é o momento indicado para introduzir alterações de fundo no regime leiteiro. Na Agenda 2000, a nova politica para o sector (quotas, preços e ajudas) foi fixada até 2008, e a respectiva aplicação terá inicio em 2005.
Qualquer alteração a este horizonte precisaria de ser apoiada por uma maioria qualificada de Estados membros. Ora, os factos indicam que a uma maioria se poderá opor a mudanças antes de 2008, porque seria custosa, e os resultados da reforma decidida na Agenda 2000 nem sequer poderiam ser avaliados antes desse ano.
Mas, tendo presente a inevitabilidade de introduzir mudanças no sector da Carne de Bovino, é certo que o facto de não “mexer” no sector Leiteiro implica que será mais difícil assegurar o equilíbrio dessas mudanças…
E a OMC
Finalmente, também não pode ser esquecida a influência das negociações da OMC no processo da Revisão. As novidades neste capitulo são muito recentes, e decorrem da Declaração de Doha da passada semana. Não se afigura para já que possam afectar fundamentalmente a Revisão da PAC.
No plano da Agricultura, a Declaração apresenta, como se esperava, aspectos decisivos para o futuro dos Sectores e da Politica Agrícola. Todavia, não apresenta inovações extraordinárias.
Com efeito, os principais aspectos agora alvo de consenso configuram o aprofundamento e o reforço dos eixos do Acordo de 1994, nomeadamente a melhoria do “Acesso aos Mercados”, a “Redução dos Subsídios à Exportação” e a “redução do Apoio Interno” causador de distorções ao comércio.
No § 13 recorda o objectivo de longo prazo, fixado em 1994, de “estabelecer um sistema comercial justo e orientado pelo mercado”, e enuncia os atrás citados compromissos “sem predeterminar o resultado das negociações, de negociar …reduções, tendo em vista a supressão, de todas as formas de subsídios à exportação”.
Além disso, também salientamos a “tomada de nota” acerca das “preocupações não comerciais” manifestadas por certos Membros (de que de destaca a UE), que “serão tomadas em conta nas negociações”.
Este assunto é determinante para consagrar o conceito de Multifuncionalidade da Agricultura e os apoios que lhe estão e poderão estar associados, as medidas comerciais associadas à segurança dos alimentos, e a consagração da protecção das denominações de origem.
Finalmente, o § 14 fixa a data de 31 de Março de 2003 como limite para “estabelecer as modalidades para os próximos compromissos”. No plano geral, é fixada (§ 45) a data de 1 de Janeiro de 2005 para conclusão das negociações da Ronda.
Os comentários que desde já se podem apresentar apontam para a dificuldade das negociações a realizar até à primeira data.
Ficam abertas negociações mais amplas que o previsto em Marraqueche, e trata-se agora de concretizar as modalidades de implementação das linhas gerais consensualizadas.
Em particular, trata-se de negociar a amplitude da redução da protecção externa e do apoio interno (e portanto, dos preços agrícolas), e quais as medidas (apoios) que são susceptíveis de causar distorções comerciais e que terão que ser eliminadas (ou eventualmente substituídas), a dimensão do acesso mínimo aos mercados, as excepções para os PVD, e a operacionalização do conceito de “preocupações não comerciais”.
Em função dos calendários negociados, e da data prevista para a Conclusão da Ronda (1/1/2005), elegemos para já uma data “mítica” para o Sector Agrícola: 2010. Nesse ano, poderá ser concluída a aplicação do Acordo de 2005, o qual poderá vir a impor uma politica agrícola comum “nova”, ou o reforço da reforma da presente.
A Politica Leiteira da UE mantém as suas características essenciais desde os anos 60, em especial os preços relativamente elevados face aos que vigoram no comércio internacional. Daí resulta que é um dos segmentos da PAC onde poderá ser necessário realizar uma acentuada redução de preços, para poder “reduzir, com vista a eliminar”, os subsídios à exportação. Por outro lado, a forma de classificação e de contabilização do “apoio” ao sector (“medindo” diferença entre “preços internacionais” e preços domésticos), pode também implicar o mesmo sentido de evolução dos preços à Produção.
A questão que se coloca portanto é de saber se a diminuição de preços que já está fixada para vigorar a partir de 2005 será suficiente para “alimentar” as negociações que decorrerão entretanto na OMC. Mas não é de excluir a necessidade de aumentar o grau dessa redução, se for necessário alcançar 2010 sem a existência de subsídios à exportação no sector leiteiro.
Este assunto atribui destaque reforçado à questão orçamental na UE: qualquer descida de preços implica (mesmo que temporariamente) compensação aos Produtores, e um esforço orçamental correspondente.
A disponibilidade para o efeito é como se sabe muito problemática. E volta a salientar o já assinalado paradoxo contemporâneo, extraordinário, em que está mergulhada a reforma das políticas agrícolas.
António Lourenço dos Santos
(Economista)