“O Mercado é Rei” – António Campos

As sociedades modernas vivem sob a égide do Mercado.

Ele é rei, tudo se compra e tudo se vende.

A consciência, a responsabilidade, a ética, a verdade, etc., são regras secundárias e desprezíveis perante o endeusamento do mercado.

Muitos políticos e responsáveis, em vez de tentarem controlar os exageros desse endeusamento, tornam-se seus servidores fiéis, mesmo que saibam que podem pôr em risco vidas humanas.

A B.S.E., mais conhecida como a doença das vacas loucas, atingiu a dimensão de catástrofe europeia, porque responsáveis políticos nacionais e europeus foram escravos ao serviço desse mercado.

No começo dos anos 90 é feito um pacto de silêncio entre a Comissão Europeia, o Reino Unido e mais tarde com Portugal para silenciarem a doença, com medo das repercussões que teria o conhecimento da verdade.

O grave, gravíssimo, deste pacto de silêncio é que já nessa época os cientistas independentes garantiam a sua transmissão ao Homem e que a dessiminação da doença era feita através do uso de farinhas de carne.

É neste contexto que em 1993, faço a denuncia na Assembleia da República da existência da doença em Portugal, não antes, de tentar, sem o dizer publicamente, que o Governo tomasse medidas de controle, que este recusou.

Essa denuncia provocou a ira do Ministro da Agricultura de então, que mentindo, negou a existência da doença e fomentou uma violenta campanha contra mim, mobilizando acima de tudo produtores e talhantes, fazendo-lhes crer que a minha actuação visava prejudicar-lhes o negócio.

Como a evolução da doença era crescente e as garantias da transmissibilidade ao Homem inquestionáveis, só em 1996 e contra a vontade da Comissão Europeia, o Ministro da Agricultura do Reino Unido resolve ir à Câmara dos Comuns anunciar oficialmente toda a verdade sobre a doença.

Só a partir desta data é que a situação começou a ser discutida abertamente; o que permitiu, com algum esforço pessoal, que o Parlamento Europeu conseguisse instalar uma Comissão de inquérito que levou à queda do Presidente da Comissão Europeia; o luxemburguês Santer.

Em Portugal, depois do escândalo de um Ministro encobrir a verdade, ainda houve outro Ministro irresponsável, que para promover o mercado, apareceu na televisão a comer mioleira.

Só em 1998 é que foi possível conseguir que Portugal tornasse medidas sérias de irradiação da doença, através da proibição da utilização das farinhas de carne e da defesa da saúde pública, eliminando das carcaças os materiais de risco que provocam a transmissão ao Homem.

A irresponsabilidade política de não se ter atacado de início a progressão da doença é enorme, as consequências económicas já estão à vista e as humanas começam a surgir.

Bruxelas, 7 de Março de 2001

António Campos

Deputado ao Parlamento Europeu – Membro da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural

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