Joao Adriao

Quando o lobo mata a vitela

Quantos não admiram as manadas de Garranos das Serras do Alto Minho, ou a riqueza da nossa biodiversidade, abominando produções intensivas, de vacarias a aviários? Quantos não apreciam os nossos produtos gastronómicos tradicionais, clamam por captura de carbono ou circularidade e criticam os produtos importados e as comidas de plástico? Quantos valorizam os saberes, cultura e tradição e lamentam as aldeias fantasma, os extensos incultos e os inevitáveis espetáculos trágicos dos incêndios estivais?

O mundo rural tradicional ruiu há umas décadas e o tempo não anda para trás. Quem hoje em dia deseja andar sujo, a cheirar mal, a percorrer encostas e cabeços, sem folgas ou férias, a troco de magro sustento? Pelo que poucos pastores sobram, a maioria já em idade avançada, corajosamente resistindo ao deserto demográfico galopante.

E, todavia, cada vez mais se percebe a importância da pastorícia na gestão da paisagem, da biodiversidade, do ciclo do carbono, dos solos e águas, da segurança e saúde alimentares, da memória de um povo, de um padrão aceitável de incêndios… Se muitas externalidades ambientais da atividade são, assim, do interesse da sociedade, o mercado não as tem reconhecido ou valorizado. Consequentemente, sem apoio, a atividade continua a cair, e tais vantagens ambientais com ela.

Com efeito, longe vão os tempos em que nas nossas montanhas se levantavam nuvens de pó pelo trânsito de enormes rebanhos. E dos odiados Lobos que neles deixavam marca e que por mais perseguidos e mortos que fossem, pareciam cada vez ser mais… O fim dos rebanhos foi em muitos casos também o fim do Lobo. Entretanto, a espécie foi protegida por lei, e um dos pilares dessa proteção ao longo destas mais de três décadas reside no pagamento de compensações por danos sofridos.

Valha o que valer para proteger o Lobo, tal apoio é de elementar justiça: não devem os privados ser lesados pelo interesse coletivo, pagando-o com as suas perdas… Este sempre foi um mecanismo alvo de várias críticas, à cabeça a morosidade. Mas estas agora avolumam-se, com riscos vários que vão de tentativas de justiça com as próprias mãos ao precipitar do abandono de algumas formas mais sustentáveis de levar a cabo a atividade. E é sobretudo nestas formas mais desejáveis que pesam as maiores dificuldades, como Blanco (2017) ilustra em Espanha, nas montanhas Cantábricas: em áreas de pastoreio extensivo, entre 28 a 50% dos produtores apontava perdas anuais por lobos, número que baixava para 8% em zonas de gados guardados e apenas 5% a sul, na estepe cerealífera da Meseta Norte.

Alargando o estudo a grandes carnívoros pelo continente europeu, Gervasi et al (2021), não encontraram, no uso de medidas de proteção do gado, um padrão consistente na maioria dos países, antes variações de região para região, provavelmente como resultado de uma combinação de processos ambientais, sociais e históricos, e devido à complexidade da sua implementação, apontando a que a magnitude do impacto nas atividades humanas é influenciada por fatores locais exigindo uma abordagem local para ser totalmente compreendida.

Compreensão. O que mais falta à legislação nacional:

Um velho pastor de um lugar remoto sem sequer ter acesso fácil a audiovisuais, a fazer inscrição e preencher formulários on-line? Prazos de 7 dias para gado que passa meses no monte? Com limites ao número de ataques e com valores decrescentes? Com valores já de si baixos e decrescentes limitados por tetos também ele baixos e que cumulativamente se atingem com outros apoios públicos? Cercas em Baldios? Recém-nascidos – os mais atingidos e com valor para o negócio – excluídos? A confirmação cabal (o fantasma da fraude), que não é fácil, mais ainda havendo cães no monte que se podem alimentar e contaminar a análise ou fazer desaparecer o corpo que se não intocado é excluído? Os atrasos que continuam… atrasados (até porque há um prazo subordinado à dotação)?

Quando o Lobo mata a vitela? O dono bem pode chorar a desgraça (muitas vezes uma tragédia) que fica a chuchar no dedo… Isto é brincar à conservação do Lobo e gozar com quem trabalha! Ambos em vias de extinção. Se em vez de atendermos ao problema, o regamos com injustiças, exigências, custos, dificuldades, burocracias, o que daqui pode resultar é a machadada final na pecuária extensiva, com repercussões muito negativas em múltiplos aspetos onde se inclui a conservação do próprio Lobo.

João Adrião

Gestor Ambiental e Florestal

Os Dragões da nossa Floresta – João Adrião


Publicado

em

,

por

Etiquetas: