O advogado do funcionário da Ascendi José Revés afirmou hoje, no julgamento sobre os incêndios de Pedrógão Grande, no Tribunal Judicial de Leiria, que fazer justiça às vítimas não pode ser condenar inocentes.
“Claro que existem vítimas com sede de justiça, só que fazer justiça a essas vítimas não passa por condenar quem seja inocente. Para que algo ofereça reparação aparente e uma satisfação a um certo público, não passa por isolar estas pessoas, esquecendo tudo quanto ocorreu na natureza, um incêndio catastrófico”, disse José António Barreiros, nas alegações finais.
José Revés era membro da Comissão Executiva da Ascendi Pinhal Interior, tendo o pelouro da Área de Operação e Manutenção. Cabia-lhe “providenciar pela criação e manutenção da faixa de gestão de combustível” na Estrada Nacional (EN) 236-1 e “fiscalizar a sua boa execução”.
A EN 236-1 liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos. Foi nesta via que foi encontrada a maioria das vítimas mortais dos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.
A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.
José Revés responde por 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência, os mesmos crimes imputados a outros dois funcionários da Ascendi, que agiram “sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela via”.
Nas alegações finais, o Ministério Público pediu prisão efetiva para os três funcionários, considerando que “devem ser condenados pelos crimes de que vêm acusados em pena de prisão superior a cinco anos”.
José António Barreiros frisou que “a justiça não pode tolerar a ideia de que estes arguidos foram selecionados para servirem de bodes expiatórios à escapatória de outros altos responsáveis pela gestão florestal do país, do legislativo ao Governo e deste à administração pública”.
Sobre o dever de cuidado, o advogado argumentou que tem de ter uma configuração concreta, não podendo ser algo genérico, sustentando que “se tem de haver lei para que haja crime, não pode deixar de haver lei que preveja o pressuposto da incriminação”, a conduta que desencadeia o crime.
Segundo o causídico, de todas as entidades que tinham competência fiscalizadora e “funcionariam como referência quanto ao incumprimento do dever de cuidado” na gestão de combustível está a Infraestruturas de Portugal, “concessionária rodoviária e subconcedente” da Ascendi Pinhal Interior na EN 236-1, a qual “se exonerou dos deveres de fiscalização”.
Referindo-se à inexistência de Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, José António Barreiros criticou a negligência legislativa que “nem uma palavra tem para o caso de omissão” destes planos
Sustentando que “a previsibilidade que o crime negligente pressupõe” não se aplica aos incêndios de Pedrógão Grande, o advogado defendeu que a ação dos três arguidos da Ascendi “não teria evitado o resultado” que ocorreu.
“Se é imprevisível, não há crime”, destacou, considerando que Pedrógão Grande foi “extraordinário, atípico, absolutamente invulgar”, pelo que não houve crime negligente.
Pediu, por isso, a absolvição de José Revés.
Citando o professor de Direito Taipa de Carvalho, José António Barreiros notou que “não haver crime negligente não significa a negação do desvalor da ação, podendo haver contraordenação”.
Porém, frisou o advogado, “nenhuma autoridade administrativa, policial, ou sequer o Ministério Público ao deduzir acusação, lançou a ilicitude emergente da contraordenação”, o que significaria a ilicitude da omissão do comportamento”.
Em causa neste julgamento, com 11 arguidos, estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
As alegações finais prosseguem hoje à tarde.