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Pedrógão Grande: Advogado critica “acusação por atacado”

O advogado do funcionário da Ascendi Ugo Berardinelli criticou hoje, no julgamento sobre os incêndios de Pedrógão Grande, a “acusação por atacado” do Ministério Público, ao atribuir iguais responsabilidades aos arguidos da empresa com distintas funções.

“No que respeita aos arguidos Ugo Berardinelli, José Revés e Rogério Mota, o Ministério Público (MP) faz uma acusação por atacado, não os responsabiliza pessoalmente, mas enquanto colaboradores no seu conjunto da Ascendi, à semelhança do que fez em relação aos colaboradores da EDP [atual E-REDES]”, afirmou Leopoldo Camarinha, no Tribunal Judicial de Leiria, nas alegações finais do julgamento para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.

Segundo Leopoldo Camarinha, “são atribuídas as mesmas obrigações, as mesmas competências”, apesar de os três arguidos terem “competências, funções distintas, como é óbvio”.

Ugo Berardinelli era responsável pela Direção de Operação e Manutenção da Ascendi Pinhal Interior, cabendo-lhe “providenciar pela criação e manutenção da faixa de gestão de combustível” na Estrada Nacional (EN) 236-1 e “fiscalizar a sua boa execução”.

A EN 236-1 liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos. Foi nesta via que foi encontrada a maioria das vítimas mortais dos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.

A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.

Ugo Berardinelli responde por 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência, os mesmos crimes imputados a outros dois funcionários da Ascendi, que não efetuaram, “por si ou por intermédio de outrem, ao corte/decote das árvores e vegetação existentes nos terrenos que a ladeavam, em conformidade com o legalmente estipulado e conhecendo a obrigatoriedade de o fazer”.

Assim, agiram “sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela via”.

Nas alegações finais, o Ministério Público pediu prisão efetiva para os três funcionários, considerando que “devem ser condenados pelos crimes de que vêm acusados em pena de prisão superior a cinco anos”.

Leopoldo Camarinha classificou a acusação de “injusta, totalmente desprovida de sentido” e “desligada da realidade da tragédia que ocorreu em 17 de junho de 2017”.

“Perante as evidências probatórias em sede de julgamento (…) não compreendo o pedido de condenação, muito menos o pedido de condenação a prisão efetiva”, declarou o causídico, acreditando que no julgamento se fez prova esmagadora da inocência dos arguidos”.

O causídico adiantou que a acusação radica em “claros equívocos”, sendo que um deles é o de que o engenheiro Ugo Berardinelli não cortou ou mandou cortar vegetação numa faixa de gestão de 10 metros de cada lado naquela estrada.

“Se este é o sentido da acusação e da pronúncia, há uma questão prévia e absolutamente essencial que é saber se a obrigação de gestão de combustível era ou não aplicável à Ascendi”, disse.

Para o causídico, “à data dos factos a obrigação não era aplicável à Ascendi” porque Pedrógão Grande não tinha Plano Municipal da Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI), pois tinha caducado.

“Mas apesar da caducidade manifesta do plano, nem o MP nem o juiz de instrução criminal veio tirar as necessárias e legais consequências”, lamentou, defendendo que, “sem plano, não há gestão de combustível”, pois aquele definia onde fazer, quando fazer e o que fazer.

Se essa obrigação não existia, também não podia recair sobre o arguido Ugo Berardinelli esse dever, continuou o advogado.

E ainda que por mera hipótese a Ascendi estivesse sujeita à criação da faixa de gestão de combustível, isto é insuficiente para “responsabilizar criminalmente” o arguido, que não tinha competências nem podia autorizar a aquisição de serviços para a gestão de combustível nas concessões e subconcessões, incluindo na EN 236-1, nem tinha a incumbência de fiscalização.

Elencando a troca de correspondência entre o arguido e a Comissão Executiva da Ascendi, o causídico referiu que esta, “louvando-se num parecer do Departamento Jurídico da empresa”, emanou uma orientação, que manteve até aos incêndios de Pedrógão Grande, segundo a qual “nos concelhos em que existisse PMDFCI em vigor” a faixa de gestão de combustível era de 10 metros e nos outros três metros, “em conformidade” com o manual de procedimento da concessionária, Ascendi, aprovada pela concedente, hoje Infraestruturas de Portugal.

“O que é que o arguido mais deveria ter feito? (…) Com que meios? A expensas suas?”, perguntou o advogado, que pediu a absolvição.

Em causa neste julgamento, com 11 arguidos, estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.


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