Ocorreram ao longo dos últimos anos mutações profundas nas estruturas da Produção de leite em Portugal. O carácter multifacetado dessas mutações predomina na evolução registada, e por isso estão presentes em aspectos diversos das estruturas sectoriais, seja no plano da dimensão das explorações e da concentração de estruturas, seja do ponto de vista da implantação territorial da produção e da sua ruralidade.
A produção leiteira exibe uma condição exclusiva no que toca à formação do rendimento dos Agricultores, na medida em que gera fluxos de receita regulares e estáveis, que condicionam directamente a desejável estabilidade dos rendimentos agrícolas.
E logo aí, condiciona tambem a estabilidade económica e social das comunidades rurais onde tem uma presença activa e uma participação equilibrada, como é a realidade na maioria dos casos e das Regiões onde está implantada.
Por isso, o acerto das políticas publicas dirigidas ao Sector é decisivo para que essas funções possam ser efectivas.
Os problemas da nossa Produção não se limitam, cada vez menos aliás, ao capítulo estrutural. Estes existem, como é a seguir documentado, são decisivos e carecem de ser resolvidos. Mas existem outros capítulos problemáticos no horizonte visível da Produção, como é o caso notório do desordenamento histórico e da desarticulação de muita regulamentação sectorial, desde a padronização da qualidade até ao licenciamento de explorações.
Introdução
Desde 1993/94 que a produção de leite evoluiu a ritmos regionais muito diferenciados. O Quadro seguinte condensa e quantifica essa evolução, e evidencia o peso das produções regionais no presente.
- A produção nacional registou um incremento médio anual (TAV) de 3.3%, que lhe permitiu alcançar o índice 125 em 2000/2001 (100 em 93/94).
- No plano regional, o destaque maior cabe ao ritmo médio de crescimento da produção nos Açores (6,3%/ano), donde resultou a destacada superioridade do índice (154) que alcançou em 2000/01. Esse ritmo médio quase duplicou o seu homólogo nacional, e permitiu assegurar na campanha mais recente, 27% da produção nacional (a percentagem equivalente em 93/94 foi de 22%). Sendo notáveis estes resultados, desde logo facilitam a compreensão dos problemas recentes enfrentados pela produção regional, no que toca à insuficiência da quota de produção existente.
Quadro I – EVOLUÇÃO E PESO REGIONAL DA PRODUÇÃO
Região | TAV em % * | 1993/94 = 100 | % do total em 2000/01 | Região | TAV em % * | 1993/94 = 100 | % do total em 2000/01 |
ED Minho | 3.3 | 126 | 33 | Alentejo | 4.6 | 137 | 6 |
To Montes | 2.0 | 115 | 4 | Algarve | -12.6 | 39 | — |
B Litoral | 0.2 | 102 | 15 | Madeira | -10.3 | 47 | — |
B Interior | 0.8 | 105 | 3 | Açores | 6.3 | 154 | 27 |
Ribatejo O | 2.3 | 117 | 11 | Portugal | 3.3 | 125 | 100 |
Fonte: INGA
*TAV: taxa anual média de variação
- As situações mais negativas localizam-se no Algarve e na Madeira, onde a produção regrediu muito, e quase desapareceu.
- A evolução registada nas Beiras tambem foi pouco favorável e até paradoxal, na medida em que nelas se localizam manchas territoriais naturalmente consideradas com aptidão e vocação para a produção leiteira.
- No caso mais significativo da Beira Litoral, essa consideração não impediu todavia que se registasse um crescimento muito modesto da produção (0.2%/ano) ao longo das 7 campanhas; em resultado, a expressão relativa da sua importância caiu, de 19% para 15% do total nacional.
- O andamento da produção no Entre Douro e Minho pautou o andamento da restante produção, com um incremento médio de 3.3%, e manteve por isso quase inalterada (de 32% para 33%) a sua participação relativa no conjunto nacional.
- O crescimento mais notório foi registado no Alentejo (4.6%/ano), e o seu peso na produção nacional subiu 1%. No Ribatejo o crescimento médio anual da produção foi de 2.3%, pelo que a sua expressão relativa nacional desceu 1%.
Em síntese, ocorreu uma reconfiguração da implantação espacial da produção de leite em Portugal.
O seu traço mais forte é o reforço vincado da posição dos Açores.
No Continente, realçam-se os seguintes aspectos :
- consolidação da importância da região Norte-Litoral;
- ligeiro reforço da posição da região Interior-Sul e o ligeiro recuo do Centro-Litoral;
- erosão acentuada da posição de toda a Região Centro (Beiras);
- êxodo da produção no Algarve e na Madeira.
Arcaboiço Médio da Produção
O crescimento da produção foi acompanhado pela diminuição muito expressiva do numero de Produtores.
Como é visível no Gráfico seguinte, a evolução de ambos os parâmetros preencheu trajectórias opostas, mais acelerada no que toca ao numero dos Produtores.
Essas trajectórias resultam do acréscimo médio anual positivo da produção (3.3%), e do decréscimo médio anual negativo (–12,6%) do numero de Produtores. Esta taxa, muito expressiva, denuncia desde a ocorrência de um profundo ajustamento estrutural na Produção, que teve expressão na cessação de actividade de 37.3 mil produtores ao longo das 7 campanhas (5,3 mil/ano, em média).
O sinal contrário do andamento dos dois parâmetros resultou no aumento da produção média anual (por exploração), que subiu de 25 tons para 79 tons (+ 18%/ano).
Porém, a apreciação deste indicador e do seu crescimento deve ser feita com alguma prudência, seja porque oculta realidades muito diversas no seio do território nacional, seja porque o grau elevado da taxa de crescimento não foi suficiente para que a nossa produção possa ombrear com as suas homólogas na União.
O Gráfico seguinte é elucidativo acerca de ambos os temas.
No plano regional, existem entre nós estruturas de produção, como no Ribatejo e no Alentejo que, do ponto de vista dimensional, ombreiam certamente com algumas das suas homólogas da União melhor posicionadas.
Mas existem outras que evidenciam um vincado atraso estrutural, aparentemente suficiente para questionar a sua viabilidade. São, genericamente, os casos notórios da Beira Litoral, de Trás os Montes, e da Beira Interior.
A Posição na União Europeia
Nesse contexto, o Quadro seguinte ilustra que o progresso registado pela nossa Produção média (43 tons) foi idêntico ao registado pela sua homóloga na União (42 tons), mas que se verificaram entre nós evoluções muito heterogéneas, nalguns casos de sinal contrário ao que poderia ser desejável .
Com efeito, as disparidades regionais existentes entre nós (Gráfico II) foram agravadas nos últimos anos, como está patente no Quadro II. É notória a ocorrência de desenvolvimentos muito desiguais, que em certos casos foram até fomentados por políticas publicas erradas, e incompreensíveis.
Quadro III – AUMENTO DA PRODUÇÃO MÉDIA
1996 – 2001
Estado | tons | Estado | tons | Estado | tons | Região | tons |
Din | 112 | Belg | 26 | Esp | 41 | B. Litor | 25 |
R. U. | 42 | Alem | 42 | Aust | 8 | Ribat | 261 |
P. B. | 45 | Fra | 25 | Gre | 20 | Alent | 184 |
Sué | 43 | Irlan | 26 | Port | 43 | T o M | 16 |
Lux | 23 | Ital | 42 | Minho | 60 | B. Int | 8 |
UE | 42 | Finl | 19 | Açores | 37 |
Fontes : CE/ DGA, INGA
São os casos notórios do Centro Litoral e Interior, e em certa medida do Interior Norte, que em 1996 asseguraram 28% da produção nacional, mas que em 2001 dela preencheram apenas 22%.
É pois evidente a existência de situações cuja correcção apela à intervenção urgente de políticas, enérgicas e com objectivos explícitos, que visem contrariar a tendência para o êxodo da produção de leite de regiões carenciadas de actividade e de estímulo económico. No entanto, os erros recentes não devem ser repetidos: a produção de leite não pode ser instrumento principal ou exclusivo dessas políticas, sob risco de causar prejuízos sectoriais irreversíveis, sem que o problema nuclear – o desenvolvimento rural- seja resolvido.
Morfologia das Estruturas da Produção
Os valores médios atrás utilizados para posicionar as estruturas produtivas fornecem uma ponderação ampla e genérica da sua evolução e da sua situação.
Interessa agora complementar essa ponderação, e identificar as modalidades e a evolução da configuração estrutural das explorações leiteiras em Portugal.
O respectivo exame nacional, a partir de 1997/98, exibe uma imagem inequívoca de uma acelerada concentração estrutural.
Nas explorações que produzem anualmente menos de 160 toneladas de leite, o seu numero e o volume de leite que produzem registaram quedas acentuadas.
Nas restantes, com destaque para as que produzem acima de 400 toneladas, o seu numero aumentou ligeiramente e o seu volume registou elevadas taxas de expansão, como é visível no Quadro e no Gráfico abaixo.
PORTUGAL
Quadro IV – PRODUÇÃO POR ESCALÕES | Gráfico III – TAV DA PRODUÇÃO POR ESCALÕES |
Fonte: INGA. (P) consideramos o numero de Produtores equivalente ao numero de explorações.
Em resultado da intensidade dos incrementos registados em ambos os casos, ocorreram alterações muito significativas na concentração da produção. Salientam-se as seguintes:
- A importância relativa da produção dos escalões “em regressão” [<160 t/ano] caiu de 51% para 36% do total nacional, enquanto a importância da produção dos escalões “em expansão” [>160 t/ano] subiu de 49% para 64%.
- O exame da realidade de cada escalão evidencia que, presentemente, 3% dos produtores (os 668 produtores em actividade nos 2 escalões superiores) asseguram 30% da produção nacional; e que os 17 567 produtores (74 % do total) localizados nos 2 escalões inferiores preenchem apenas 17% dessa produção.
- Existe um escalão de produção [81 a 160] que se afigura ser de “Transição”, ou “Potencialmente viável” : separa os escalões “em regressão” e “em expansão”, e o respectivo volume de produção revelou alguma estabilidade, tal como o numero de explorações/Produtores que o incorporam.
Também neste caso, a referência da política leiteira, que carece de objectivos explícitos, não está ajustado à realidade. É necessário que vise a consolidação de um núcleo de explorações com dimensão adequada ao futuro, que possam dar corpo a um pilar sólido do edifício leiteiro nacional. É necessário para isso que a política de apoio ao investimento (Programa AGRO) seja finalmente dotada de realismo, e sirva os interesses e preencha as necessidades dos seus destinatários.
Perfil Regional
O Quadro seguinte identifica, nas principais regiões de produção, os escalões de produção (anual) com maior importância relativa, do ponto de vista dos Produtores e do ponto de vista do Volume de Produção.
No primeiro caso, conclui-se da existência de homogeneidade regional existente na localização dos Produtores nos escalões de produção, sendo nítida no entanto a existência de 2 grupos.
- a)um, que reúne o Centro-Norte do Continente, onde a maioria absoluta dos Produtores (entre 49% e 77%), está localizada no escalão inferior [<20 tons/ano] e que evidenciou mais acentuada regressão (-23%/ano).
A manutenção em actividade da maioria destes 7 600 Produtores afigura-se por isso problemática, na ausência de medidas dirigidas á viabilização da sua actividade. - b)No outro, que reúne o Ribatejo, o Alentejo e os Açores, encontra-se sempre uma maioria relativa de Produtores, tambem localizada num escalão [21-80] “em regressão”, embora menos acentuada (-12%/ano) que no grupo anterior.
Mas a conclusão anterior tambem pose ser válida para os 347 Produtores, deste escalão e do antecedente, que estão em actividade no Ribatejo e no Alentejo.
Nos Açores encontram-se nesta classificação 2 700 Produtores; mas as especificidades da politica e da economia leiteiras da Região e do sistema de produção predominante diferencia o seu contexto, e impõe autonomia na respectiva análise.
Quadro V – DIVERSIDADE REGIONAL DA PRODUÇÃO
(escalões representativos)
Região | PRODUTORES | PRODUÇÃO | ||
Escalão
(t/ano) |
% | Escalão
(t/ano) |
% | |
ED Minho | < 20 | 49 | 161-400 | 43 |
TO Montes | < 20 | 58 | 21-80 | 32 |
B Litoral | < 20 | 58 | 161-400 | 29 |
B Interior | < 20 | 77 | 21-80 | 29 |
Ribatejo O | 21-80 | 24 | > 750 | 68 |
Alentejo | 21-80 | 36 | >750 | 64 |
Açores | 21-80 | 31 | 161-400 | 42 |
Fonte: INGA
No segundo caso, no que toca à Produção, identificam-se três grupos de Regiões com fisionomia homogénea, nomeadamente:
- a)O Interior Centro-Norte (B. Interior e Trás os Montes), onde o escalão dominante é o [21-80], com uma participação de cerca de 30% nas produções regionais; são sem duvida Regiões onde a permanência da Actividade está ameaçada.
- b)O grupo das 3 maiores bacias leiteiras (ED Minho, B. Litoral e Açores), onde o escalão representativo é o [161-400], que está em expansão satisfatória; a sua representatividade no ED Minho e nos Açores é expressiva e ronda 40%, mas na Litoral é apenas de 29%, confirmando assim a classificação da situação leiteira nesta Região como problemática, embora susceptível de recuperação.
- c)O terceiro grupo reúne o Ribatejo e o Alentejo, onde, no plano estrutural, os problemas eventualmente existentes são inexpressivos.
Em qualquer caso, fica demostrada a necessidade da politica leiteira abandonar a visão genérica, cómoda e errada, que a pautou nos últimos anos, e de ser dotada de objectivos e de instrumentos regionalizados que permitam resolver os problemas que até aqui foram genericamente diagnosticados.
Produção em Posição Limite
O crescimento evidenciado pela produção chama a atenção para a sua situação face à quota (1,86 milhão de toneladas).
Esta, foi ultrapassada na campanha 1999/2000 (66 mil tons) e na de 2000/2001 (13 mil tons). Estas ultrapassagens, concentradas no plano regional nos Açores, não originaram todavia o pagamento da imposição suplementar correspondente porque foram “absorvidas” pela franquia do autoconsumo oportunamente atribuído à Região (73 mil tons).
Mas a ser confirmado ao longo de 2002 o vigor da recuperação que a produção evidenciou no 4º trimestre de 2001, há razão para recear que na presente campanha (2002/2003) possa ser ultrapassado o somatório [quota disponível + franquia].
O Quadro VI quantifica a exiguidade da margem disponível (saldo efectivo) para crescimento da produção.
Destaca-se a situação potencialmente ameaçada da Produção açoreana, que em 2000/2001, mesmo tendo sido uma campanha de recuo generalizado da produção, progrediu e ficou apenas a 10 mil tons. de ultrapassar a margem que lhe é dada no quadro do Programa POSEIMA (que havia ultrapassado em 4 mil tons. na campanha anterior).
Na realidade, as cerca de 60 mil tons. de folga que existiam no final da campanha 2000/2001 poderão ser inteiramente absorvidas na presente campanha (2002/2003), caso persista a atrás citada recuperação. Com efeito, o saldo “negativo” de 50 mil tons existente no Continente em 2000/2001, que permitiriam uma folga adicional para encaixar a ultrapassagem açoreana, pode ser absorvido pela retoma (em curso) do crescimento da produção.
QUADRO VI – SÍNTESE DAS CAMPANHAS
(1000 tons)
1999/2000 | 2000/2001 | |||
Contin / Mad | Açores | Contin / Mad | Açores | |
Entregas | 1 401 | 504 | 1 335 | 507 |
Ajustam. MG | 25 | -0.5 | 30 | 5 |
Ent. Ajustadas | 1 426 | 503 | 1 365 | 512 |
Quota | 1 437 | 426 | 1 414 | 449 |
POSEIMA | 0 | 73 | 0 | 73 |
Saldo efectivo | – 11 | 4 | – 50 | -10 |
Fonte: CE/DGA
A situação existente, e as perspectivas da sua evolução, sugerem portanto muita prudência na abordagem da questão.
O facto sublinha também a importância da negociação que deverá ter lugar para o prolongamento do regime POSEIMA para além da campanha 2002/2003, que poderia eventualmente ser complementada aliás com a renegociação do valor da taxa de “matéria gorda representativa”. Com efeito, o distanciamento verificado em 2000/2001 entre a mg representativa e a mg real implicou um aumento de 35 mil toneladas no volume da produção.