O Pinheiro Bravo: ainda a nossa primeira essência florestal – Luís Pinheiro

A sua origem alimentou algumas discussões. Introduzida ou originária, o que é facto é que ela se instalou e progrediu enormemente, tendo o seu pico de expansão pelos anos setenta, que de acordo com o padrão de ocupação florestal da época representava mais de 40% da área florestal.

O século XX foi o grande período da sua expansão. Os grandes programas de arborização promovidos pelo Estado estiveram na raiz do seu crescimento. As sua características fizeram desta espécie o grande e quase único meio de arborização das dunas litorais e baldios serranos. As suas características de rusticidade e plasticidade, de boa adaptação a solos muito degradados por séculos de uso intensivo, permitiram-lhe expandir-se um pouco por quase todo o território, muito para além do que é a área óptima para o seu desenvolvimento.

Os proprietários particulares adoptaram-na para ocupar muitos dos seus maninhos e montes, onde durante séculos vegetaram carvalhos e outras espécies que o pastoreio intensivo, o corte das lenhas e as roças de mato acabaram por fazer desaparecer.

Os produtos do pinhal permitiram satisfazer algumas das necessidades básicas das famílias camponesas tradicionais. Foi durante décadas o grande capital de reserva com que as comunidades rurais puderam acorrer a muitas das suas despesas extraordinárias. Das lenhas, aos toros para entivação das minas, passando pela madeira, pelo carvão e pela resina, o pinhal teve uma importância fundamental na economia rural do Centro e Norte do país.

 

A partir dos anos setenta, o êxodo rural e o ermamento crescente do interior do país, vieram alterar radicalmente aquilo que tinha sido até ali o modo de vida rural. Espécie florestal intimamente ligada à pequena propriedade, fragmentada e dispersa, o pinhal e a sua economia são um testemunho das grandes mudanças operadas na sociedade rural portuguesa, com o abandono dos campos e a procura, fora das suas comunidades, de formas de vida mais dignas para si e para os seus. As consequências para o pinhal são diversas e vão desde o abandono, típico dos espaços rurais profundos, até à sua substituição pelo eucalipto designadamente em espaços rurais intermédios onde as condições sócio-económicas e edafo-climáticas, permitem soluções florestais mais intensivas.

As mudanças iniciadas na década de sessenta do século passado, conduziram os espaços rurais a um circulo vicioso que se auto alimenta, num processo onde o declínio demográfico é a face mais visível do problema, alterando práticas ancestrais de produção de energia e da sua reconversão por processos naturais. A diminuição da intensidade do uso da floresta traduziu-se numa enorme acumulação da maior parte da biomassa produzida, criando grandes massas térmicas prontas a explodir.

A utilização mais tradicional dos pinhais na pequena propriedade, centrada na exploração dos matos, das lenhas, da resina, da madeira para uso próprio e como “mealheiro”, num quadro de “não gestão”, tem vindo a dar alguns sinais, ainda que ténues, num processo com imensos escolhos, de uma nova lógica mais virada para o mercado, preocupada com os problemas da produtividade, da qualidade dos produtos, fazendo apelo aos novos saberes e tecnologias hoje disponíveis.

Mudanças previsivelmente lentas estas, face aos condicionalismo intrínsecos a própria espécie, mas também ao enquadramento sócio-económico onde este recurso florestal e uma realidade presente e onde apresenta maiores potenciais de crescimento.

 

Estão, desde há muito tempo, identificados os grande obstáculos que impedem o desenvolvimento harmonioso da fileira do pinheiro bravo, que é uma das duas mais importantes espécies madeireiras, sendo a sua produção destinada maioritariamente às industrias de serração.

Do lado da produção, a ausência de uma gestão activa deste recurso vem sendo apontado como a grande questão que tem estado na origem das baixas produtividades e produções, da degradação do seu património genético através de modalidades de cortes que privilegiam os piores exemplares como garantes da continuidade dos povoamentos, através de um processo de selecção negativo, com consequências desastrosas para as qualidades tecnológicas do material produzido.

A quase absoluta ausência de praticas silvícolas, limpezas, desbastes desrramações, fertilizações, etc. torna o nosso património pinicola um meio excelente para a propagação dos incêndios florestais, para cuja dimensão tem dado infelizmente um enormíssimo contributo.

 

A tendência que tem vindo a desenhar-se nos últimos vinte anos de diminuição da área ocupada e as dificuldades crescentes em assegurar a satisfação das necessidades da industria, traduz bem o contexto social, económico e fundiário extremamente desfavorável em que a nossa principal espécie resinosa tem sabido resistir e sobreviver, e a muito pouca atenção que tem tido por parte dos seus maiores utilizadores. Quase se pode afirmar que a sua presença se faz contra tudo e contra todos, mesmo naqueles casos em que a opção conscientemente assumida por ela se deveu às elevadas ajudas públicas.

Não basta o reconhecimento generalizado de que as florestas e os espaços florestais e a panóplia de actividades associadas deverão ter um papel estratégico, no desenvolvimento sustentado do nosso mundo rural, designadamente para aquelas regiões social e economicamente deprimidas, onde tantas vezes a floresta é o grande recurso disponível. É urgente o reforço de medidas mais integradas que abram caminho a uma maior e mais consistente cooperação inter-institucional, publica e privada.

Por tudo o que ficou dito, será ainda possível uma mudança qualitativa que aproveite as imensas potencialidades desta essência florestal?

A resposta não poderá deixar de ser indubitavelmente positiva, desde que sejam tomadas as decisões mais acertadas, aceites alguns pressupostos económicos, sociais, fundiários e culturais, intrinsecamente ligados a esta cultura florestal, e ter plena consciência de que as mudanças só serão operadas a longo prazo. É possível e necessária uma política de maior atenção a esta espécie absolutamente indispensável para o desenvolvimento e sustentabilidade dos espaços rurais.

Desde logo, reafirmar o associativismo como o elemento condutor do progresso possível em ambientes rurais parece ser inquestionável.

 

De facto, a transferência para organizações, profissionalmente cada vez mais estruturadas, as actividades de ordenamento e gestão, no quadro de uma silvicultura multifuncional, racionalizando e tornando mais eficientes as diversas operações florestais, melhorando a qualidade do lenho e organizando as vendas de produtos florestais através de uma política comercial mais agressiva e a prevenção dos incêndios, é uma das vias que deve ser privilegiada no âmbito do desenvolvimento do sector florestal privado.

Paralelamente, desenvolver políticas públicas de apoio ao reagrupamento da propriedade, à aplicação de critérios de gestão sustentável e certificação dos produtos florestais, ao melhoramento dos materiais de reprodução, em ordem à obtenção de ganhos de produtividade que permitam, em prazo razoável, aumentar as produções unitárias e os rendimentos dos proprietários.

É preciso encorajar os empresários para o desenvolvimento das condições que possam concorrer para o aumento da competitividade de toda a fileira da madeira de pinho, incluindo a exploração, transformação e comercialização de produtos com maior valor acrescentado.

Com efeito, a competitividade global desta fileira está intimamente ligada à capacidade tecnológica e de inovação da industria de serração, por onde passa em grande parte a matéria prima com origem no pinheiro bravo, infelizmente, ainda, fornecendo produtos de baixo valor acrescentado, o que também é, convém dizê-lo, devido à heterogeneidade e aprovisionamento irregular do material lenhoso.

Enfim, é preciso transformar em realidades as potencialidades identificadas, mas para se atingir tal desiderato é fundamental operar uma nova atitude em todos os intervenientes, activamente ligados aos grandes óbices ao desenvolvimento sustentável do património pinícola.

Coimbra, 28 de Outubro de 2002

Luís Pinheiro
Eng.º Silvicultor


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