José Palha, presidente da associação de produtores de cereais, diz que a situação a que chegou o preço de uma das matérias agrícolas essenciais à alimentação não favorece ninguém
“É má para toda a gente, esta desregulação que está a acontecer agora dos mercados” das matérias-primas agrícolas, com os preços dos cereais, defende José Palha. O presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC) defende que aumentar o auto-aprovisionamento de trigo de 5% para 20% é possível em três anos, com capacidade para ajudar a soberania alimentar do país.
A ANPOC saiu do grupo de trabalho que estava na Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais – o que é que aconteceu?
É preciso contextualizar. O anterior ministro, Capoulas Santos, identificou o problema que vínhamos há anos a alertar: Portugal tem dependência de importação de trigo enorme. Importamos 95% daquilo que consumimos. Uma situação que tem vindo a agravar-se ano após ano e que, quando entrou a reforma da Politica Agrícola Comum (PAC) em 2005 – que foi a maior machadada…
Porquê “machadada”?
Porque as ajudas, que estavam ligadas à produção, foram desligadas. E em Portugal, com o desligamento das ajudas, na maior parte dos casos deixou de ser uma cultura interessante.
Em 2017, Capoulas Santos desafiou três organizações da produção – em que a ANPOC representa os cereais praganosos [trigo, aveia, centeio, cevada] – e o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV). Delineámos uma estratégia e identificámos as 17 medidas que considerávamos essenciais para aumentar, no caso dos cereais praganosos, a auto-suficiência para 20% no prazo de três anos. O que foi aprovado em resolução de Conselho de Ministros no Verão de 2018.
A grande bandeira seria o retomar de uma ajuda ligada como acontecia até 2005 e como ainda hoje acontece aos sectores mais débeis da agricultura portuguesa. E há 10 países da União Europeia que têm uma ajuda ligada aos cereais, sendo que nenhum deles tem um grau de aprovisionamento tão baixo como o nosso.
A reforma da PAC entra em vigor a 1 Janeiro de 2023, e 2022 foi o período de transição e a ministra [Maria do Céu Antunes] anunciou publicamente que no período de transição já iria ser implementada a ajuda ligada. A 15 de Julho, de repente, disse-nos que a ajuda prevista não estava adequada e que necessitavam de mais tempo para construir uma medida melhor e que iria entrar em vigor em Janeiro de 2023. Nunca tinha acontecido isto, de uma promessa ter caído de um momento para outro, sem sabermos exactamente o que é que aconteceu.
Entretanto, Portugal entregou, no final de 2021, à Comissão Europeia, o plano estratégico da PAC (PEPAC), a ser implementado em Janeiro de 2023, onde a ajuda ligada já está prevista. Agora acreditamos que, de facto, em 1 de Janeiro de 2023 irá ser implementada esta medida.
O valor que está previsto para a ajuda ligada à produção por hectare era de 12 milhões de euros por ano?
Já não me lembro exactamente qual era o valor do envelope financeiro total. Tenho ideia que era à volta disso e que ia dar uma ajuda por hectare à volta de 120 euros.
O facto de estar no PEPAC, que já foi entregue a Bruxelas, já ajuda os produtores a ter um incentivo adicional para a campanha de 2022/2023?
Claramente. Mas quando isto foi tudo pensado e estudado, o valor da ajuda era à volta de 17% do custo de implementação da cultura.
Era a percentagem [em 2018]?
Era mais ou menos esse o racional, sim. Não chegava a 20%, no caso dos cereais de pragana até era um bocadinho superior do que no caso do milho, que tem um custo de produção superior. O que acontece é que isto agora está tudo virado do avesso: os fertilizantes aumentaram 300%, a energia, os combustíveis – e também o cereal está a valer valores que nunca valeu. E, por isso, esta conta…
Vai ter que ser refeita?
Não sei se vai ter que ser refeita, porque acho que isto é uma coisa muito conjuntural. Não é expectável – já nem sabemos o que é expectável e o que não é –, mas é impossível o mundo continuar a viver com os cereais aos preços que estão. Há países africanos muito dependentes da importação – o Egipto, por exemplo –, que não têm dinheiro para pagar o trigo a 700 euros quando o ano passado valia 250 euros [a tonelada]. Isto está a causar uma situação no mundo que é insustentável. E, por isso, espero para bem de todos os cidadãos deste planeta que a coisa melhore. Porque isto não é bom para ninguém. Nem sequer para nós.
Não é?
Há pessoas que dizem: “ah, vocês estão a vender o trigo a 450 euros quando o ano passado estava a 240 euros”. Mas isto não é nada bom, porque estamos a pagar os fertilizantes ao triplo do preço, a energia, o combustível. É má para toda a gente, esta desregulação que está a acontecer agora dos mercados de commodities e de um produto tão indispensável à alimentação humana como são os cereais. Isto, mesmo em Portugal, para aqueles dois milhões de portugueses que estão no limiar da pobreza, com o aumento que está a acontecer em todos os produtos quando vão ao supermercado. Há muita gente que vai voltar a ter fome como há muito não se via no mundo.
Há alguma forma de se conter a especulação nos mercados – a que não é comercial, a dos fundos que compram não para ficar com os cereais, mas para fazer subir o preço?
Neste momento não estamos a falar só disso. É uma questão real. Pelo que sabemos – e vale o que vale – estão 30 milhões de […]