A Modulação das Ajudas Directas – Armando Sevinate Pinto

É já conhecida a proposta do Governo para aplicar a Portugal o Regulamento europeu que atribui aos Estados membros a possibilidade de modular as ajudas directas, isto é, de penalizar o montante total das ajudas atribuídas às explorações a titulo das organizações comuns de mercado.

Trata-se de uma decisão política do Governo, na medida em que o Regulamento, embora o permita, não obriga nenhum dos Estados membros a fazê-lo.

Além de suscitar inúmeras questões de princípio, a decisão voluntária do Governo provocará também a discriminação dos agricultores portugueses relativamente aos agricultores dos Estados membros que não apliquem a medida e/ou que a apliquem de uma forma mais atenuada do que em Portugal.

É aliás de notar que esta proposta foi precedida por uma campanha de intoxicação tendente à aceitação pública de várias ideias profundamente incorrectas sobre as ajudas directas, entre as quais, as que as identificam incorrectamente com rendimentos líquidos, ou com benesses públicas, esquecendo a sua origem de compensações parciais de sucessivas reduções de preços.

Ao decidir pela sua aplicação em Portugal, o Governo revela ter-se deixado condicionar pelos complexos ideológicos que têm condicionado a sua acção no sector agrícola, sem ter em conta, quer a situação concreta da discriminada agricultura portuguesa no contexto europeu, quer as sucessivas e duras penalizações que uma parte dela já está a sofrer na sequência da aprovação da AGENDA 2000.

Por outro lado, revela também a sua incapacidade em obter financiamentos confortáveis para o desenvolvimento rural, como se comprova pela necessidade de os reforçar agora a partir de fundos retirados aos agricultores portugueses cujos níveis de rendimento e de apoio são manifestamente inferiores aos seus congéneres europeus.

Quanto ao conteúdo, a proposta portuguesa merece-nos a mais viva discordância uma vez que, na nossa opinião, revela uma grande falta de imaginação, contém graves incorrecções técnicas de base, não tem suficientemente em conta os termos e as condições expressas no Regulamento europeu e entra em várias contradições com outras disposições e orientações em vigor.

A falta de imaginação da proposta é ilustrada pelo conjunto do seu conteúdo que revela ter sido apressada e descuidadamente elaborado, quando comparado, por exemplo, com outros dispositivos já em vigor ou propostos por outros Estados Membros.

As incorrecções técnicas de base resultam do que parece ter sido a utilização de um falso pressuposto por parte das autoridades portuguesas que parecem ter considerado os montantes das ajudas directas equivalentes a rendimentos líquidos das explorações. Este pressuposto é profundamente incorrecto e conduzirá necessariamente à inviabilização de muitas explorações agrícolas e a tratamentos desiguais e injustos entre explorações, na medida em que montantes semelhantes de ajudas podem estar associados a resultados económicos completamente diferentes.

Os termos e as condições do Regulamento insuficientemente tidos em conta na proposta portuguesa e que pervertem completamente o seu impacto, são , por um lado, “a prosperidade global das explorações expressa através da Margem Bruta Padrão”, cujo nível permite aferir a relação entre as ajudas directas e os rendimentos agrícolas, e, por outro lado, a força de trabalho utilizada, cujos padrões deveriam ser definidos de forma a que o nível de emprego interferisse efectivamente como um ponderador por comparação com padrões médios por sector e não por comparação com sistemas agrícolas mão-de-obra intensivos.

Além disso, a proposta do Governo, ao não ter em conta a possibilidade de uma despenalização dos vários tipos de exploração colectiva da terra, de natureza formal e informal (indivisos, agricultura de grupo, sociedades informais, etc.) prejudica o de aumento da dimensão física , bem como da dimensão económica e concorrencial das explorações, de há muito sublinhada como positiva pelos poderes públicos nacionais e comunitários.

O mesmo acontece aliás com a flagrante contradição entre a elegibilidade às indemnizações compensatórias das explorações com uma dimensão económica até 2 UDEs e a sua penalização no âmbito da presente proposta logo que o conjunto das ajudas ultrapasse 5000 contos o que representa quase metade do valor correspondente a 2 UDEs !!

As penalizações correspondentes á actual proposta não deixarão de provocar uma reestruturação fundiária e empresarial dispersiva, altamente lesiva do interesse nacional e completamente contrária às alterações fundiárias tidas como correctas e correspondentes a uma redução do número das explorações e a um aumento, da sua área média, bem como da sua dimensão empresarial e da sua capacidade competitiva, num mercado cada vez mais globalizado.

Além disso, não se pode deixar de lamentar o facto de o Governo não fazer acompanhar a sua proposta de uma indicação fundamentada sobre o seu impacto regional e sectorial, bem como no nível de rendimento dos diferentes tipos de produtores, em vez de se limitar a uma estimativa da poupança comunitária obtida pela sua aplicação.

Finalmente, é igualmente lamentável poder-se deduzir de várias intervenções públicas do Governo de que os meios de comunicação social têm feito eco, que a circunstancia de se estimar que o número de agricultores atingidos pela penalização será relativamente pequeno, quando comparado com o número total de agricultores portugueses, retira importância ao seu tratamento discriminatório através de medidas que se destinam essencialmente a apaziguar os fantasmas ideológicos que o Partido Socialista já enterrou no que se refere à indústria e aos serviços mas que insiste em manter vivos no que se refere à agricultura.

10/04/2000

Armando Sevinate Pinto
(Eng.º Agrónomo)


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