A Defesa das Raças Autóctones – Apolinário Vaz Portugal

1 – Há formas diversas de produzir o mesmo tipo de alimento de origem animal, reflectindo-se estas formas nas características e organização tecidual do produto final: leite, carne, conservados e transformados. O Consumidor no mercado especial ou em mercados abertos a produtos com origens diversas (grandes superfícies) escolherá o alimento de origem animal que mais o satisfaça em função do preço ou das suas características diversas, estas a gerarem a sua apetência face a gostos, odores e flavores diferentes.

Reforça-se a ideia de que há formas diversas de produzir, todas elas com características próprias e exigências adequadas aos sistemas de produção animal a implantar. Em todos os sistemas, intensivos versus naturais, é essencial que se aumente a eficiência produtiva, eliminando os períodos improdutivos do animal e se procurem custos de produção mais competitivos. Enfim, há que saber produzir, defendendo a Imagem Pública da Produção Animal. Há que saber fazer marketing ou saber vender com valor acrescentado que justifique as diferenças no alimento que se vende e na forma de produzir, nomeadamente no caso de sistemas de produção animal naturais e extensivos em que o que está em causa é o aproveitamento de recursos locais genéticos, alimentares ou os dois em conjunto. O “beef” da erva e o porco da bolota, são exemplos.

Em todos os objectivos diferenciados de produção animal, há que Saber Produzir e, se possível, dar dimensão às estruturas de produção, incluindo nestas, para as áreas do minifúndio, a organização, como exploração pecuária, das Associações de Produtores, a assumirem a debilidade estrutural de quem produz e se possível, especializarem funções produtivas entre os seus membros. Há que dar vida ao Mundo Rural nestas condições específicas de produção. Ter gente neste Mundo Rural torna-se uma exigência, para se evitar a desertificação e a má imagem do cenário rural.

2- Os Sistemas Intensivos de Produção ou Indústria Animal procuram, através da maximização da eficiência biológica e zootécnica, a produção massal de alimentos. O Homem manipula o sistema de produção e obtém mais produto animal para a mesma quantidade de alimento ingerido, obtendo assim custos de produção mais competitivos e contribuindo largamente para o mercado de abastecimento caracterizado pela procura generalizada de alimentos. Os Sistemas Locais de produção animal ou a arte de produzir são a outra forma de produzir e dirigem-se a mercados restritos, contribuindo para a oferta limitada de alimentos de origem animal de escolha. Dirigem-se a nichos de consumidores. O Homem observa estes sistemas de produção animal que promovem a utilização de recursos locais renováveis (animais e alimentos). Tem a ver obviamente com o Desenvolvimento do Meio Rural. A capacidade de oferta e não da procura, dimensiona a necessidade de produzir nestas condições. A eficiência do sistema produtivo exige outra interpretação biológica e zootécnica!

São sistemas de produção animal complementares, porque são diferentes e exigem tecnologias apropriadas e adaptadas ao sistema de produção. Os objectivos biológicos e tecnológicos determinam as diferenças entre estes sistemas de produção animal, que geram necessariamente e sempre produtos (alimentos) de alta qualidade. São sistemas de produção animal que, em todas as circunstâncias, devem ser amigos do ambiente e não agredirem a saúde pública.

3 – Ao programar o desenvolvimento da Pecuária Nacional (Programa Nacional de Desenvolvimento Pecuário) há que considerar estas duas situações de produção, conjugando apoios dirigidos e necessariamente diferentes, nomeadamente, em termos financeiros: apoios à Pecuária Indústria (tornar competitivos os custos de produção e à Pecuária Arte, (destacar e reforçar as diferenças). A Pecuária Arte tem, necessariamente, face às nossas condições de produção de ser considerada, também, como Serviço (dinamizar e dar vida ao Meio Rural, promover a diversidade da Paisagem Rural e manter a Biodiversidade). Há que identificar o que queremos e como o podemos ter com a gente que temos. A diversidade e potencialidades de Meios de Produção e a organização produtiva dos mesmos é diversa na UE. Os recursos a considerar e a aproveitar, nos Países do Sul da Europa, impostos pela tradição, cultura e diversidade são uma forma de apego (fixação) de gente ao Meio Rural, argumento de grande peso e visão humanista na economicidade das circunstâncias. Os indicadores a utilizar, em termos comparativos e relativos entre Países da UE, terão que expressar intervenções adequadas aos objectivos diferenciados. Neste domínio a pecuária das raças autóctones, para além da conquista do valor acrescentado para o que se sabe vender e das aplicações das medidas agro-ambientais, fruto discutível de uma visão e filosofia generalizada do que não é generalizável na UE, terá de viver com apoio dirigido e sentido da política para o Programa Nacional de Desenvolvimento Pecuário. Defender o que se tem, promover o que se produz (até pensar em mercados internacionais!) e dar qualidade de vida a quem vive, no Meio Rural, torna-se indispensável. Há que considerar a estrutura da produção animal. Ter mais gente vocacionada, feliz e apaixonada no Meio Rural é contribuir para o Bem Estar Nacional.

Há que estabelecer e organizar o controle do que se vende por forma a permitir assegurar as diferenças, garantindo a genuidade do alimento que se vende e que dá prazer e satisfação a quem compra. Há que variar para não limitar a capacidade de escolha pelo Consumidor! Há que defender a genuidade da escolha, controlando como se faz e que origem tem o alimento de origem animal.

4 – Os sistemas naturais de produção pecuária (tipo extensivo), maximizando o uso instalado das raças autóctones promoverá o que todos sentimos como necessário e como preocupação sentida: o desenvolvimento do Meio Rural, a complementar e ornamentar o desenvolvimento económico do País, a perseguir outras metas e outros indicadores em outras circunstâncias de produção.

Na Era Tecnológica do Futuro em produção animal há espaço para defender e cultivar a produção local, a produção das raças autóctones, pela riqueza nutricional dos alimentos que origina, respondendo à riqueza das nossas tradições e à cultura da nossa gastronomia. Apoiar este desenvolvimento da pecuária nacional torna-se uma preocupação de sempre, a necessitar que haja apoios diferenciados à mesma produção, que estimulem, no local próprio, a preferência por esta produção. Há que dar-lhe continuidade e esperança, assegurando que é um desafio fazê-la, necessariamente, por agricultores mais novos (garantir continuidade) pois estes têm de sentir que, através dela, adquirem Qualidade de Vida.

Não somos País rico mas somos País consciente de que sabemos distribuir a riqueza pelas necessidades sentidas na Sociedade do Mundo Rural. Daí a nossa especificidade a determinar tratamento adequado às nossas circunstâncias de produção animal nestas condições face aos desejos de evolução social.

5 – A Política Agrícola do País deve sentir a necessidade desta produção animal, feita à base das raças autóctones criar apoios que assegurem a segurança e o entusiasmo de quem produz ou vem a suceder a quem produz. Considerem-se que medidas agro-ambientais da política comunitária são importantes mas não devem ser exclusivas. Há o caso nacional a defender e há que melhorar e dirigir Meios à especificidade deste tipo de produção, rico no Sul da Europa e vestindo características próprias.

A constatação de existirem diferentes condições naturais (sistemas de produção animal a privilegiar), estruturais de produção (dimensão das explorações) e sócio-económicas (In-put por capita) entre Países do Sul da Europa e do Norte e Centro da Europa há que assegurar, por razões nacionais, a necessidade de defender e organizar esta produção natural à base das raças autóctones. Há que conjugar Política Agrícola da UE e Política Agrícola Nacional nestes domínios por forma a dar outro amparo e justiça ao que se justifica como uma preocupação para a pecuária nacional: a produção de alimentos de origem animal de características diferentes. Estes alimentos são, necessariamente, provenientes da produção das raças autóctones, cuja dimensão populacional é limitada pelos recursos renováveis e locais que sustentam a produção animal. Não é pela expressão numérica das mesmas populações animais que surgem as nossas preocupações, mas sobretudo pela organização, natureza e características do que produzem e pela sua importância, em termos de vantagens comparativas, para o que se tem que produzir nas nossas condições do Meio Rural.

A manutenção da Biodiversidade e a animação do Meio Rural tem custos que há que suportar, pois Agricultura é também Serviço. É urgente que repensemos a Forma Nacional de estar na componente animal da Agricultura (“animal agriculture”). A defesa das Raças Nacionais Autóctones seja, sem perda de tempo, uma das prioridades nacionais para a Agricultura que queremos fazer, diria, permitam-me, que queremos defender.

Apolinário Vaz Portugal
(Director da Estação Zootécnica Nacional e
Professor de Zootecnia e Melhoramento Animal da Faculdade de Medicina Veterinária)


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