A Floresta em Boas Mãos – João Soares

É normal que os que estão afastados da esfera de actividades da Administração Pública desconheçam os pormenores ou as tecnicalidades do processo de negociação e preparação do próximo QCA na sua vertente florestal.

O que talvez não seja tão normal é que esse processo de negociação e de organização interna decorra (ou tenha decorrido) sem qualquer diálogo ou informação consequentes com a Sociedade Civil em geral e com a Actividade Económica, em particular. (Excluo daqui o Colóquio promovido pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, do MPAT que, afinal, se destinou muito mais a “ser informada” do que “a informar”).

Onde estão os contactos, formais ou informais, com os agentes económicos? Onde está a concertação estratégica entre a negociação política e o “lobby” sócio-económico em Bruxelas? Onde está a legitimação interna da lógica (nacional ou regional?) que vai presidir à gestão nacional dos futuros fundos comunitários? Onde está a explicitação dos critérios e prioridades relativas do próprio QCA?

Vão-se conhecendo agora os contornos do próximo Plano Operacional Nacional para a Agricultura e Desenvolvimento Rural (eixos nacional e regional) onde a floresta aparece, numa mera lógica de continuidade com o PAMAF, quer a nível nacional (Medida N3: Desenvolvimento Sustentável das Florestas, com acções no domínio da silvicultura, da exploração/ transformação e da valorização dos produtos florestais) quer a nível regional (Medida R3, com acções no domínio do associativismo, da prevenção e do pós-fogos e da valorização dos espaços florestais de interesse público).

O que aflige os parceiros – se é que eles estão verdadeiramente preocupados – é a modulação das ajudas, a formatação dos regulamentos, a elegibilidade das espécies e acções, o fim desta patética dicotomia técnica e burocrática hoje existente entre o IFADAP e os serviços orgânicos do Ministério (DGF e DRA’S) e a ameaça do ressuscitar de comissões regionais de má memória, a que se vem juntando a confusa mas tentacular presença dos serviços do Ministério do Ambiente, em cada vez maior número de actividades silvícolas.

Teria sido (mais) uma boa altura para clarificar responsabilidades técnicas e políticas, na já velha reivindicação pela escolha de um só “dono do problema” florestal.

Urna estranha apatia nacional – da oposição à comunicação social – parece confirmar a ideia apaziguadora que presidiu à campanha eleitoral do partido que apoia o governo: Está tudo em “boas mãos” (logo, podemos ficar descansados e até distraídos … ).

A mesma tranquilidade reina aliás, este ano, em matéria de fogos florestais: Até final de Agosto (e após um prolongado “black out” de dados estatísticos) os Serviços Florestais noticiavam a eclosão de quase 27 mil fogos, ou seja, um nível equivalente ao máximo verificado no quinquénio anterior, a área ardida (que as condições climatéricas notoriamente mitigaram) ultrapassava naquela data os 22 mil ha de povoamentos, ou seja, o terceiro pior ano dos últimos seis … mas os fogos florestais “desapareceram” dos títulos dos jornais ou dos directos das televisões!

Onde estão as “forças vivas” que anunciaram há quatro ou cinco anos o Conselho lnterprofissional Florestal (CIF) afrontando (com êxito, aliás) uma administração pública florestal que no fim do segundo governo de Cavaco Silva se divorciava dos agentes económicos? Onde estão os empresários e os proprietários florestais que se juntaram para saudar a elaboração do estudo do BPI? Onde estão aqueles que num futuro próximo precisarão de certificados de gestão florestal sustentável para continuarem a ser competitivos nos seus negócios? Onde estão as decisões (e as exigências) dos “capitães da indústria” que visem acautelar o futuro da fileira florestal portuguesa?

Não estão …

E o resultado evidente da hibernação (ou declínio?) do sector florestal português é – para já – a não inclusão, nos programas políticos já divulgados pelos principais partidos para as eleições legislativas, de qualquer referência séria ou determinada à fileira silvo-industrial.

Será que a microscópica criatura que ataca o pinheiro bravo na Península de Setúbal, e que tão justamente preocupa os técnicos, é que vai acordar o País para o impacte e importância do sector florestal em Portugal?

Admitindo que a fileira silvo-industrial privada sabe o que quer e do que precisa – como provou no famoso relatório BPI que alguns funcionários e dirigentes da chamada Autoridade Florestal Nacional se encarregaram de truncar e censurar (na impossibilidade de lhe efectuarem um clássico auto-de-fé) – então é caso para recordar e aplicar a esta actividade o que um famoso questor romano escrevia desta Lusitânia: «Estranho povo este que não se governa nem se deixa governar».

João Soares
(Eng.º Agrónomo)

(*) – Artigo publicado na Revista Florestal, Vol. XII n.º1/2 Janeiro/Dezembro


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