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ZERO exige moratória imediata ao aumento da capacidade instalada de produção de pellets

Indústria insustentável que põe em causa a nossa floresta consumiu mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira em 2021 e os apoios públicos ultrapassam já os 100 milhões de euros.

O primeiro Barómetro Anual sobre Indústria dos Pellets em Portugal da ZERO [1] apresenta dados preocupantes que colocam em causa a sustentabilidade na utilização de madeira na indústria para a produção de produtos de maior valor acrescentado. Por outro lado, prevê-se que, a curto prazo, o aumento na capacidade instalada e a pressão resultante do boicote da Europa ao gás e ao petróleo proveniente da Rússia irá levar os governos a priorizar outras formas de energia, o que significa um maior incentivo à utilização de biomassa, a qual terá também um forte impacto climático.

Estima-se que em Portugal, em 2021, foram produzidas cerca de 815.000 toneladas de pellets de madeira, para as quais foram necessárias mais de 1,5 milhões de toneladas de madeira. Cerca de 510.000 toneladas foram exportadas, na sua maioria, para queimar nas centrais a carvão que foram, entretanto, convertidas e outras centrais de queima de biomassa para produção de eletricidade no Reino Unido, na Dinamarca e na Holanda.

Em Portugal, existem 26 fábricas de pellets, o que corresponde a uma capacidade total instalada superior a 1,7 milhões de toneladas por ano, com uma necessidade de 3 milhões de toneladas de madeira. O Pinheiro-bravo é a principal espécie usada pelos produtores de pellets e a maior parte da matéria-prima provém de operações florestais, sendo que as fontes secundárias de matéria-prima como os “subprodutos de serração” (serrim, estilha e costaneira) constituem uma pequena fração, cerca de 25%.

É muito provável que, em 2022, se assista a um aumento significativo na produção, uma vez que quatro fábricas entram em funcionamento ou reabrem, com uma capacidade combinada de quase 600.000 toneladas/ano, representando um aumento de 50% da capacidade nacional de produção de pellets, o que colocará ainda maior pressão sobre os recursos florestais já de si depauperados e insuficientes para satisfazer a procura para as diferentes utilizações.

 

Queimar floresta com apoio de financiamento público

Segundo a informação pública disponível, desde 2008 que os produtores de pellets em Portugal receberam pelo menos 100 milhões de euros de financiamento público, com a maior parte destes fundos a serem encaminhados para unidades que os vendem para as centrais de produção de eletricidade no norte da Europa. Na prática, isto significa que estamos perante um apoio adicional aos subsídios já existentes às energias renováveis que os produtores recebem indiretamente das empresas de produção de eletricidade dos países nórdicos que adquirem as pellets.

Embora se constate que a produção de pellets foi responsável por cerca de um quinto de todo o consumo de madeira de pinho, esta só representou apenas 3% do valor de exportação dos produtos à base de madeira de pinho, o que denota a sua baixa importância estratégica num cenário de valorização e utilização sustentável da floresta portuguesa.

Impactes sobre a floresta portuguesa

Em Portugal, a floresta de Pinheiro-bravo está em declínio acentuado, sobretudo associado aos incêndios, pelo que a quantidade de madeira de pinho retirada das florestas será superior à que pode ser extraída de forma sustentável, exigindo à indústria a importação de grandes quantidades, sobretudo de Espanha, para suprir a escassez de matéria-prima para as indústrias ligadas ao Pinheiro-bravo.

Apesar da indústria de produção de pellets alegar que apenas os resíduos florestais e industriais são usados como matéria-prima, existem evidências de que os maiores produtores de pellets estão claramente dependentes de grandes volumes de rolaria ou seções do tronco de árvores, resultando numa pressão acrescida sobre a floresta.

Ainda assim, a indústria afirma que a queima de pellets é baixa em carbono e sustentável, com a alegação de que o novo período de crescimento das árvores reabsorve o carbono libertado no processo de queima, mas a verdade é que as emissões provenientes da combustão das pellets são completamente ignoradas.

Contudo, constata-se que as emissões de carbono por unidade de energia produzida associadas à queima de madeira são superiores às associadas à queima de carvão, e o tempo que leva a compensar estas emissões através do efeito sumidouro é muito variável dependendo do tipo de madeira que está a ser queimada, sendo necessário esperar décadas até que a floresta volte a estar restabelecida.

Não basta deixar o mercado a funcionar

A ZERO já anteriormente apresentou um estudo sobre o consumo de biomassa para a produção de energia [2], que apontava para a insustentabilidade de um modelo que não é de forma alguma renovável, nem neutro em carbono. A indústria da produção de pellets, coloca, de forma muito evidente, uma grande pressão na utilização dos recursos florestais, tendo como forte aliado uma indústria do norte da Europa francamente subsidiada sob o chapéu de uma produção de energia renovável.

Face a um cenário pouco favorável para uma utilização insustentável da floresta, a ZERO espera que sejam tomadas por parte do Governo as seguintes ações:

  • Aumentar a transparência na indústria de produção de pellets e na aquisição de madeira: não existem registos de dados precisos sobre a produção total de pellets e a quantidade e tipologia de madeira utilizada. O Governo Português deve exigir que os produtores de pellets declarem esses dados cruciais e esta informação deve ser disponibilizada publicamente.
  • Introduzir imediatamente uma moratória ao aumento da capacidade de produção de pellets: apesar da disponibilidade de madeira ser cada vez mais escassa, a indústria das pellets está a competir com outros setores que fabricam produtos de maior valor acrescentado e que mantêm o carbono sequestrado por muito mais tempo, como a indústria dos painéis a aglomerados. Por conseguinte, Portugal tem de introduzir uma moratória, tanto para o licenciamento de novas fábricas, como para o aumento da capacidade de produção das existentes.
  • Acabar com o financiamento público da produção de pellets: os poucos benefícios trazidos pela indústria das pellets, em termos dos poucos empregos gerados, não compensam os impactes significativos de que são responsáveis. A construção de novas fábricas ou a ampliação/melhoramento das existentes não deve ser alvo de subsidiação pública.
  • Contribuir para a sustentabilidade do recurso florestal aumentando o investimento público na gestão da floresta de pinheiro-bravo: sendo uma espécie de ciclo longo, não é atrativa ao proprietário privado num contexto de elevado risco e, por se situar sobretudo em pequenas propriedades fragmentadas, não tem acesso a incentivos públicos.

O caminho deverá ser no sentido de uma aposta em verdadeiras fontes de energia renováveis e melhoria da capacidade de sequestro de carbono das florestas portuguesas.

Notas:

[1] Link para o Barómetro Anual da Indústria dos Pellets: https://zero.ong/wp-content/uploads/2022/06/barometro-2022-pt-.pdf

[2] Link para o estudo sobre a utilização de biomassa em Portugal: https://zero.ong/wp-content/uploads/2021/10/A_Biomassa_em_Portugal.pdf


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