Pedrógão Grande: A história não contada

Um ano de julgamento revelou um sistema de Proteção Civil arcaico e descoordenado, mas o Ministério Público não responsabilizou criminalmente ninguém acima do comandante dos bombeiros, que nem credenciais de acesso a um programa de previsão metereológica tinha

Entre as 14h e 15h horas de 17 de junho de 2017, o telemóvel de Albino Tavares, coronel da GNR, mas investido nas funções de segundo-comandante Nacional de Operações de Socorro (CNOS) da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), começou a receber várias mensagens de alerta sobre incêndios florestais, entre os quais o de Pedrógão Grande. Depois de tomar “consciência” de que a situação ia ficar complicada, o segundo CNOS telefonou ao seu superior, Rui Esteves, que lhe deu instruções para se apresentar na sede da ANPC, de forma a “dar apoio” ao Comando Nacional. Duas horas mais tarde, porém, o mesmo comandante nacional, Rui Esteves, deu-lhe outra missão: afinal, não teria de assumir o seu lugar na estrutura de combate, mas sim dar meia volta para Pedrógão. Motivo: receber o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que já tinha manifestado a intenção de se deslocar ao terreno.

Este é apenas um dos vários episódios revelados ao longo de quase um ano de julgamento do processo-crime sobre o incêndio naquela vila, que matou 66 pessoas e fez 253 feridos. São testemunhos que revelam um sistema arcaico ao nível da coordenação interna da ANPC e falta de meios no combate a grandes incêndios florestais, contradições da antiga ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa e uma acusação que passou por cima de toda a estrutura nacional da Proteção Civil, elegendo como cabeça de cartaz o comandante dos bombeiros de Pedrógão, Augusto Arnaut, que ouviu a procuradora Ana Mexia pedir cinco anos de prisão por 63 crimes de homicídio por negligência e 44 de ofensa à integridade física, na mesma forma. Nas alegações finais, que decorreram no passado mês de maio, a magistrada do Ministério Público defendeu ainda que os ex-presidentes das autarquias de Pedrógão, Valdemar Alves, e de Castanheira de Pêra, Fernando Lopes, fossem condenados por homicídios por negligência.

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