O secretário-geral da ONU, António Guterres, alerta que as alterações climáticas são “um dos piores perigos para a segurança colectiva” mundial, sublinhando que disputas por água e o progresso da desertificação são já factores de guerra em África.
Em entrevista à agência Lusa na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, Guterres observou que os países se devem preocupar mais com o clima, porque é a sua própria segurança que está em causa.
A disputa pela água é já hoje um factor de guerra em vários pontos do mundo, nomeadamente em África. No Sahel, um dos problemas essenciais da crise de segurança é o progresso da desertificação
António Guterres
“O clima, as alterações climáticas, são um dos piores perigos para a nossa segurança colectiva. Se continuarmos nesta situação, nós teremos vastas zonas do mundo em que as secas obrigam populações a mover-se aos milhões, criando uma enorme instabilidade. Nós vamos ter zonas costeiras completamente destruídas, uma vez mais, criando enorme instabilidade nos países”, disse.
“A disputa pela água é já hoje um factor de guerra em vários pontos do mundo, nomeadamente em África. No Sahel, um dos problemas essenciais da crise de segurança, do desenvolvimento do terrorismo, é o progresso da desertificação, as alterações climáticas e, por isso, combater as alterações climáticas, defender uma economia verde, é defender a nossa segurança colectiva. As energias renováveis são hoje um projecto de paz”, frisou Guterres, que tem nas questões ambientais uma das prioridades do seu mandato.
22 milhões de deslocados
Tal como destacou o secretário-geral nas Nações Unidas, as catástrofes relacionadas com o clima agravaram consideravelmente nos últimos anos o deslocamento forçado de populações em África, que já é maciço devido à violência e aos conflitos, tinha afirmado o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Maio último.
De acordo com esse órgão da ONU, o continente africano está actualmente a enfrentar desastres naturais e conflitos que estão a causar o deslocamento de população de “uma magnitude sem precedentes”.
Em 2021, de acordo com um relatório do Centro de Monitorização de Deslocados Internos (IDMC, na sigla em inglês), 22,3 milhões de pessoas foram deslocadas internamente devido a desastres relacionados com o clima em todo o mundo, em comparação com 14,4 milhões desalojados por conflitos e violência.
As inundações e secas estão a tornar-se “mais frequentes e intensas e afectam gravemente países como Etiópia, Quénia, Somália e Sudão do Sul”, indicou o alto comissariado, referindo que as catástrofes relacionadas com às alterações climáticas arriscam não apenas agravar a pobreza, a fome e o acesso a recursos naturais como a água, mas também a aumentar a instabilidade e a violência.
A região do Sahel está na linha de frente da crise climática, com temperaturas a subir 1,5 vezes mais rapidamente do que a média global, o que só agrava os conflitos por recursos limitados, tornando a vida ainda mais difícil para aqueles que foram forçados a fugir das suas casas.
Alterações climáticas fazem aumentar conflitos em África
As alterações climáticas também fazem aumentar os conflitos em África, não só entre pastores nómadas e agricultores sedentários que competem por recursos, mas também no caso da violência provocada por extremistas islâmicos, conclui um estudo apresentado esta sexta-feira.
“Podemos dizer definitivamente que estas secas estão a provocar um aumento do conflito “jihadista”, disse à Lusa o investigador Eoin McGuirk, da Universidade de Tufts, no Massachusetts, nos Estados Unidos, após apresentar os resultados da sua investigação na Conferência Novafrica 2022 sobre Desenvolvimento Económico, que terminou esta sexta-feira na Nova SBE, no concelho de Cascais.
Na sua intervenção, o cientista explicou que, tradicionalmente, as comunidades de pastores nómadas e os agricultores sedentários têm uma relação de simbiose. Na época das chuvas os pastores mantêm o gado numa faixa semiárida em torno da zona tropical mais húmida da África Ocidental e na época seca levam os animais para a zona tropical, onde estão os agricultores que já terminaram as colheitas e onde o gado ajuda a limpar os terrenos e a fertilizar a terra, regressando depois à zona semiárida.
O que tem acontecido com o aumento das secas, provocadas pelas alterações climáticas, é que os pastores se vêem obrigados a migrar mais cedo para a zona húmida, antes de as colheitas estarem feitas, e os animais consomem ou destroem os cultivos, pelo que a simbiose dá lugar ao conflito. “A situação escala, há retaliação, ganha uma dimensão étnica, há armas envolvidas e a crispação transforma-se num conflito civil”, descreveu.
Segundo o Africa Center for Strategic Studies, estes conflitos entre pastores e agricultores em África provocaram mais de 15 mil mortos na última década. Após constatarem que, em quase todos os artigos sobre o conflito entre pastores e agricultores na África Ocidental, havia menções a grupos de extremistas islâmicos, os especialistas decidiram investigar a ligação entre ambos e constataram que “quando há seca numa área de pastorícia e causa conflitos na zona agrícola vizinha, também provoca violência “jihadista”, explicou McGuirk.
Usando modelos empíricos que cruzam a pluviosidade com o radicalismo islâmico, os cientistas concluíram que há uma relação causal entre a seca e a violência extremista, envolvendo grupos filiados na Al-Qaida ou no grupo extremista Estado Islâmico, afirmou o investigador. Sublinhando que pode haver outros factores envolvidos, McGuirk disse ser certo que os conflitos “jihadistas” são pelo menos parcialmente provocados pelas secas.