Os representantes de cinco comunidades intermunicipais (CIM) da região Norte e da Área Metropolitana do Porto criticaram hoje a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, instrumento que consideraram “preocupante” por “promover” a desertificação e o desinvestimento das zonas rurais.
Os representantes de cinco comunidades intermunicipais da região Norte e da Área Metropolitana do Porto (AMP) foram hoje ouvidos durante uma audição no Parlamento da Comissão de Agricultura e Pescas, a pedido do PSD, sobre a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, instrumento para planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios rurais, que consideram, “deve ser suspenso”.
“A carta de perigosidade aflige e traz preocupação acrescida”, afirmou o presidente da CIM do Alto Minho, Manoel Batista, destacando que o instrumento foi elaborado “com pouco rigor” e tendo por base “cartografias desatualizadas e de qualidade dúbia”.
“Hoje temos uma carta que, a ser colocada em funcionamento, vai condicionar todos os territórios do Norte e, em especial, os de baixa densidade populacional”, disse Manoel Batista, defendendo ainda que não será este instrumento que irá acautelar que o território não esteja sujeito a tantos riscos.
Também o vice-presidente da CIM do Douro, Luís Machado, salientou que o modelo adotado na carta “não corresponde às expectativas”, ao promover o “abandono dos territórios, e condicionar a atratividade e investimentos” nas zonas rurais
“A carta não é amiga da estratégia de repovoamento e investimento das zonas rurais. E também não faz sentido que os municípios não tenham uma palavra nesta matéria”, observou, dizendo que ao instrumento falta também “flexibilidade”.
A par da desertificação e do desinvestimento nas zonas rurais, o vice-presidente da CIM do Tâmega e Sousa, José Peixoto Lima, destacou o “forte agravamento” de áreas rurais consideradas de perigosidade alta e muito alta, que, na totalidade dos municípios daquela comunidade intermunicipal, passaram de 46.700 para 90.000 hectares.
“Os autarcas desta CIM manifestam-se preocupados com o conjunto de medidas que esta legislação pode acarretar, tanto para o despovoamento do mundo rural, como para os setores industriais e turísticos”, notou, lamentando que se “continue a legislar a partir do Terreiro do Paço sem ouvir os autarcas”.
“Elaborar uma carta de forma cega é uma afronta gratuita e sem sentido”, considerou.
À semelhança dos representantes de outras CIM da região Norte, também o presidente da CIM das Terras de Trás-os-Montes, Jorge Fidalgo, afirmou que a carta é “limitativa e condicionadora” da atividade nos territórios.
“Não podem limitar desta forma a nossa atividade”, referiu, apelando ainda que não se passem “atestados de incompetência e de menoridade” aos técnicos das autarquias responsáveis por esta matéria.
“Esta é uma machadada na descentralização. Isto não é descentralizar, é impor”, defendeu.
Já o presidente da CIM do Alto Tâmega, Fernando Queiroga, salientou que a carta foi desenvolvida por um organismo “que não tem conhecimento do território”, atribuindo responsabilidades à Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) por “prejudicar os territórios”.
“Esta carta foi feita por alguém que está no Terreiro do Paço, que não tem noção do território e não vai ao encontro das necessidades”, afirmou, dizendo que se a carta for implementada, os territórios rurais vão tornar-se “apenas em zonas de caça”.
“Não matem estes territórios, não os inibam de ter gente, nem expulsem quem ainda acredita nestes territórios”, apelou.
Por sua vez, o secretário da Comissão Executiva da AMP, Miguel Oliveira, salientou que o instrumento “coloca várias preocupações”, nomeadamente, ao nível do povoamento de áreas de perigosidade alta e muito alta, que também nesta região aumentaram, com os municípios de Arouca a passar de 38 para 79% e Vale de Cambra de 21 para 61%.
Os representantes das CIM e da AMP mostraram-se disponíveis para colaborar com o Governo e outras entidades na reformulação da Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, instrumento que consideram que deve ouvir os municípios, ser flexível e apostar no desenvolvimento das áreas rurais.
Estes argumentos foram também usados pela deputada do PSD, Fátima Ramos, que instou as entidades a terem “bom senso” e “conhecimento” sobre as áreas rurais.
Também o deputado Pedro Frazão, do Chega, salientou que continua a faltar ao país “uma eficaz reforma florestal”, considerando que não será possível proteger as populações do interior “sem uma verdadeira economia”.
Pelo PS, o deputado Joaquim Barrento garantiu que o instrumento será suspenso na segunda-feira, com a publicação do decreto de lei, e que a reformulação da carta irá reunir contributos, tanto das entidades com responsabilidade na proteção das áreas florestais, como dos autarcas e das comunidades intermunicipais.
O decreto-lei que suspende a Carta de Perigosidade de Incêndio Rural será publicado na segunda-feira, anunciou hoje o PS, sublinhando que até março de 2023 vigoram os documentos que constam nos planos municipais de defesa da floresta contra incêndios.
O anúncio do socialista surgiu no decorrer das preocupações partilhadas pelos representantes de cinco CIM e da Área Metropolitana do Porto relativamente à Carta de Perigosidade de Incêndio Rural e à sua suspensão, que apesar de confirmada à Lusa, em junho, pela ministra da Coesão Territorial, “continua por publicar” em Diário da República.
A Carta de Perigosidade de Incêndio Rural, instrumento para planeamento das medidas de prevenção e combate a incêndios rurais, para definição dos condicionamentos às atividades de fruição dos espaços rurais, foi publicada sob aviso em Diário da República em 28 de março.
Em junho, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, afirmou que a lei do Orçamento do Estado para 2022 “suspendeu a Carta de Perigosidade de Incêndios Rurais” e “determinou que continuam a vigorar as cartas municipais”, o que acabou por não se verificar.