Tiago Oliveira lidera a agência que tenta mudar o panorama dos incêndios no país. No rescaldo dos incêndios de 2017, o país interiorizou, finalmente, que não basta o combate para travar os incêndios, há sobretudo que os prevenir. Cinco anos depois, ainda há muito a fazer, admite o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), mas foram lançadas sementes. Há passos fundamentais que agora, com maioria absoluta, o Governo pode arriscar, acredita. Acabar, por exemplo, com as heranças indivisas – 30% das propriedades – que deixam muito território sem gestão.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal ‘Público’, Tiago Oliveira admite que até setembro, outubro “vai ser necessário estar mais atento, há mais risco” de incêndio e admite que “se as situações forem tão graves como tem sido esta, o Governo antecipará medidas”. O presidente da AGIF defende ainda a criação de mecanismos que remunerem o proprietário que faça uma boa gestão florestal, contribuindo assim para o sequestro de carbono ou a infiltração da água que o país tanto precisa. Assim como apoiar, efetivamente, a pastorícia. Mas há novas oportunidades: as resinosas estão a valorizar-se com a guerra na Ucrânia e há fundos europeus disponíveis.
Vamos ter um verão em que o estado de contingência será a regra?
Este estado de contingência dura até à próxima sexta-feira e a partir de domingo a situação acalma do ponto de vista meteorológico. Haverá ainda mais uma, duas semanas, certamente, até setembro, outubro, em que é necessário estar mais atento, há mais risco. E se as situações forem tão graves como tem sido esta, o Governo antecipará medidas e a população será alertada para a necessidade de não usar o fogo nem máquinas. Isto tem sido muito importante na redução do número de incêndios, em particular a Sul do Tejo.
As declarações de estado de contingência restringem o acesso aos espaços rurais também às empresas do ramo florestal, que se queixam de asfixiamento.
As empresas são parte do problema, mas têm de ser mais parte da solução. Ao utilizarem motosserras e discos de corte nestes dias, com a vegetação tão seca, são uma das causas importantes dos acidentes. Naturalmente que a actividade económica não pode ser totalmente condicionada, mas face às circunstâncias é importante que as empresas também participem e parem a actividade. As empresas têm seguros de responsabilidade civil que têm limites e que não devem ser suficientes para pagar o prejuízo resultante de um incêndio que possam provocar.
Não pode haver uma banalização dos estados de contingência e as pessoas começarem a dar-lhes menos importância?
Penso que não. Acho que as pessoas percebem que há um problema de calor e há a necessidade de ajustar os comportamentos. A declaração do estado de contingência dá mais visibilidade ao risco e permite que a Proteção Civil avoque recursos que habitualmente não estão totalmente disponíveis.
E levanta mais restrições.
E muda a perceção dos actores para que dêem um contributo com o seu civismo.
A comparação com os incêndios Pedrógão Grande de 2017 foi a mensagem certa para fazer essa sensibilização?
Foi, porque, depois da pandemia, com a guerra, e de termos tido em 2021/21 verões macios, as pessoas foram-se esquecendo e é importante que Pedrógão esteja na memória. Cada proprietário tem que ser o primeiro a gerir a vegetação à volta da sua casa e os presidentes das câmaras devem garantir que isso é feito. Essa é a verdadeira mudança cultural que nós temos conseguido fazer desde Pedrógão. Vemos muitas casas e muitas bermas de estradas já tratadas. Antigamente não se via. Mas tem de se fazer mais e de forma frequente e recorrente.
Mas depois dos incêndios de 2017 houve uma campanha muito agressiva junto das populações para limparem as matas e a GNR levantava autos e multava as pessoas. Neste momento, não temos isso.
Apostámos nos últimos anos em campanhas de proximidade. O comportamento geral da população ajusta-se à meteorologia, mas observa-se que em sítios chave é necessário fazer porta a porta. O que estamos a ver é que, na faixa litoral, como está a ser muito fustigada pela secura, os comportamentos tradicionais, que nos dias habitualmente mais frescos não se transformam em incêndios, estão agora a provocá-los. Aquela população não está habitualmente sensibilizada para o tema. Agora reforçou-se a campanha e o Governo, os políticos e os dirigentes das organizações estão a passar a mensagem.
Mas as campanhas de sensibilização, até porque se tem visto pela redução do número de ignições, têm funcionado. Falta o edifício a montante, que é a prevenção. Comecemos pela limpeza em volta das casas. Qual o balanço do programa Aldeia Segura?
Há uma estratégia nacional e o Programa de Ação, de Junho de 2021, identifica 7.000 lugares para serem objecto de gestão de combustível, de sensibilização da população para, em casos extremos, saberem como fugir de uma forma ordeira ou ficarem dentro de casa ou abrigadas. Nós sinalizámos o problema em Outubro ao dizer que é necessário reforçar isto porque durante a pandemia adormeceu-se um pouco. A Proteção Civil está ciente do problema e recuperaram. Passaram de 2.000 aldeias para 2.200: mais 10% do que estava a ser feito.
Mas ainda muito longe das metas…
Muito longe. Além da Proteção Civil, isto envolve os municípios, as freguesias. O problema é complexo e incerto dada esta situação meteorológica. Passa pela capacidade das pessoas se prepararem e pensarem que podem ter um incêndio à porta de sua casa. E isto implica que percebam que estão em risco, que têm que limpar o mato à volta da sua casa, mas também que devem guardar as fotografias, os documentos e ter um plano de evacuação. Pensar que quando o incêndio ali chegar, provavelmente não vou haver água ou electricidade. Deve fugir com tempo ou ficar dentro de casa com as persianas fechadas à espera que o incêndio passe? Estas questões são muito importantes num país que vai estar cada vez mais exposto aos incêndios. Este desespero que temos visto na população, que não está preparada para incêndios, tem de ser um problema a tratar nos próximos anos de uma forma muito sistematizada. O que temos visto nestes dias é os bombeiros a defender as casas e o fogo segue solto pelo monte.
Há muitos anos que defende que a prevenção deve prevalecer sobre o combate em termos de investimento mas o combate ainda está à frente.
Foram gastos em 2021, sem contar com os privados e com o investimento feito pelas autarquias, 306 milhões de euros. Destes, 174 milhões são combate. Em 2017, 20% dos 140 milhões de euros, que era o que se gastava na altura, era prevenção. Este ano, é 46%. Portanto, deu-se aqui um salto. O problema tem mais a ver com a capacidade de criar contratos-programa com as associações de produtores florestais, que têm de se fortalecer para também compensar as assimetrias.
E isso ainda não está a acontecer?
Demora. Por um lado, é mais fácil e mais visível fazer faixas. Estão feitas milhares de hectares. O ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e […]