Agricultura de Conservação, Carbono e Protocolo de Kyoto – José Freire

O efeito de estufa, o aquecimento global e as suas consequências, são temas que assiduamente marcam presença nos serviços noticiosos que diariamente invadem os lares de todo o Mundo.

Hoje, é comummente aceite, que é a elevada concentração de gazes nocivos na atmosfera a principal causa destes problemas e das suas consequências. De acordo com a comunidade científica, a seca que em 2005 assolou o nosso País e que ocorrerá com crescente frequência, é uma consequência directa do aquecimento global.

É à elevada concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que é atribuída a maior fatia de responsabilidade pelo aquecimento global e respectivas consequências.

Estas preocupações são antigas, e foi com base nestas que nos últimos anos a maioria das nações industrializadas ratificaram o protocolo de Kyoto, comprometendo-se assim a diminuir as suas emissões em cerca de 5% até 2012.

Este protocolo, originou a criação de um mercado de “créditos de carbono”, em que todas as entidades emissoras de CO2 (e outros gazes nocivos transformados em equivalentes de CO2) para a atmosfera serão devedoras ou credoras, consoante aumentem ou diminuam as suas emissões, tendo como referência o ano base (1997).

Basicamente, existem duas estratégias para diminuir a concentração de carbono atmosférico:

1) Diminuir as emissões

2) Reter o carbono nos seus reservatórios naturais

Para diminuir as emissões, as entidades emissoras terão duas opções:

a) Diminuir a sua actividade (implica diminuição da produção)

b) Aumentar a eficiência energética de produção (implica investigação, desenvolvimento tecnológico e avultados investimentos)

Com o mercado de créditos em funcionamento, as entidades que não consigam diminuir o nível das suas emissões, poderão comprar créditos de carbono ás entidades credoras.

Os reservatórios naturais do Carbono são os indicados na fig. 1 (oceanos 39000 Pg, biomassa terrestre 500Pg, atmosfera 760 Pg, e Matéria orgânica do Solo 2000 Pg).

Por se encontrarem em permanente equilíbrio (o Carbono que retêm é aproximadamente equivalente ao que libertam), os oceanos e a biomassa terrestre, não poderão ser parte da equação do nosso problema. Restam-nos os solos e a atmosfera, sendo que o objectivo será diminuir a quantidade de C da atmosfera e portanto aumentar a retenção no reservatório que é o solo.

As plantas, como seres autotróficos que são, utilizam o dióxido de carbono atmosférico (juntamente com luz e água), no processo de fotossíntese que todos conhecemos.

Assim, à primeira vista, poderíamos pensar que a agricultura poderá ser encarada como uma actividade retentora de C atmosférico e consequentemente credora de carbono para outras actividades. Tal não se verifica. De facto, a agricultura é vista como uma das actividades que mais contribui para aumento de origem antropogénica do efeito de estufa.

Em sistemas de agricultura convencional, quando se procede à colheita, o carbono retido pelas plantas é retirado da parcela agrícola quase na sua totalidade. O restante perde-se para a atmosfera, tanto mais rapidamente quanto mais intensa for a mobilização do solo. Mobilizações intensivas do solo, são responsáveis por uma perda substancial do C do solo, atingindo entre valores entre os 30 a 50%.

O carbono atmosférico é armazenado no solo principalmente sob a forma de Matéria Orgânica. Todos nós sabemos que o teor em M.O. do solo tem diminuído de forma acentuada com a intensificação dos sistemas de agriculturas praticados. Tal é demonstrativo a quantidade de carbono libertado é superior à quantidade de carbono retido.

Já em sistemas de agricultura de conservação (sementeira directa/mobilização na zona/não mobilização da entrelinha de culturas perenes), o aumento do teor de M.O. do solo pode facilmente atingir valores superiores a 1 ton/ha/ano. Por outro lado, ao diminuir o tráfego de máquinas nas parcelas agrícolas, diminui-se consequentemente o nível de emissões de CO2 para a atmosfera.

Assim, ao adoptar um sistema de agricultura de conservação em detrimento de um sistema de agricultura convencional, não só diminuímos as emissões de C para a atmosfera, com também alimentamos o reservatório natural de C que é o solo.

Segundo um estudo apresentado na OCDE 1, técnicas utilizadas em sistemas de agricultura de conservação, como a sementeira directa, têm potencial para aumentar o stock de C no solo em valores que rondam os 1.4 ton/ha/ano. Se a este valor adicionarmos aquele que não é emitido em virtude da menor utilização de máquinas com motores de combustão, ficamos com uma ideia do enorme contributo destes agricultores para a concretização dos objectivos propostos pelo Protocolo de Kyoto. Estima-se que para a Europa dos 15 (antes do alargamento), o potencial de redução de CO2 atmosférico é de cerca de 135 Mt /ano.

Este, é mais um serviço ambiental que os agricultores prestam à comunidade, tal contributo terá que ser obrigatoriamente reconhecido. Já hoje, a tonelada de carbono tem um valor de mercado bem definido. Os agricultores portugueses, não podem e não devem deixar que mais uma vez haja terceiros que se apropriem do que é seu por direito.

Temos conhecimento que noutros países, que curiosamente não ratificaram o Protocolo de Kyoto, já se “negociou” carbono entre as empresas privadas e os agricultores que praticantes de agricultura de conservação.

José Freire
APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo

(1) Soil Organic Carbon in the Context of the European Climate Change Programme

Andreas Gumber
European Commission
Directorate General Agriculture


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