Quotas Leiteiras: Discussão sobre o seu futuro está ao rubro – Pedro Pimentel

A comissária europeia da Agricultura, Mariann Fischer Boel, declarou em conferência de imprensa, em Oulu (Finlândia), antes do início do Conselho informal de Ministros de Agricultura da União Europeia promovido pela presidência finlandesa, que o sector lácteo deve preparar-se para o desaparecimento do sistema de quotas em 2014.

O sistema existente vigorará, de acordo com as decisões do conselho do Luxemburgo, de Junho de 2003, até ao final da campanha leiteira de 2014/2015, mas não se encontra ainda definido e não está definido se o regime se prolonga para além dessa campanha.

Nos últimos tempos, a Comissão e alguns países da União Europeia têm vindo a defender a opção de que o sistema de quotas desapareça uma vez finalizada a sua vigência, mas essa posição foi já defendida noutros momentos em que foi discutida a situação do regime e, apesar disso, o sistema acabou sempre por ser prorrogado.

No entanto, de acordo com vários especialistas, a situação actual criada a partir da reforma intercalar da PAC e a correspondente política de orientação das produções para o mercado tornará, em conjunto com o quadro negocial da OMC, insustentável a manutenção de um sistema de quotas que provoca a distorção do mercado.

Segundo a comissária o actual sistema de quotas lácteas “não é adequado” porque “dificulta a possibilidade dos produtores crescerem” e, portanto, é necessário eliminá-lo. Porém, acrescentou, terá, em todo o caso, que existir “um período transitório” para se conduzir à eliminação das quotas.

Entretanto, dois dias antes daquele Conselho, decorreu em Copenhaga mais uma edição do World Dairy Forum, promovido pela EDA, onde este tema esteve em grande destaque. Logo na intervenção que marcou a abertura dos trabalhos, o ministro dinamarquês da Agricultura, H. C. Schmidt, não podia ter sido mais claro em relação à posição do seu país nesta matéria: desmantelamento [das quotas], sim, rapidamente [já em 2008/09] e em força [sem qualquer período transitório].

O discurso do chefe de gabinete da Comissária Fischer Boel foi mais ‘politicamente correcto’, mas nem por isso deixou muitas dúvidas em relação à posição da Comissão. A maior diferença está, aparentemente, na possibilidade de implementação de medidas que ‘amorteçam’ o impacto da abolição da quotas leiteiras.

Um dos painéis do Fórum abordou especificamente esta questão, sendo que as três intervenções realizadas se revelaram contra, totalmente contra e absolutamente contra as quotas leiteiras, no que parece, cada vez mais, uma estratégia concertada do eixo Dinamarca/ Holanda, com claro apoio do Reino Unido. No evento, foi distribuído um ‘fortíssimo’ comunicado da associação holandesa congénere da ANIL (a NZO) com o sugestivo título “Dutch Dairy Association urges timely clarity on future of milk quotas”, sendo que a única ‘clarity’ que se defende é o rápido desmantelamento do sistema.

É muito interessante verificar, a este propósito, a opinião de Harry Smit, analista do holandês Rabobank, que defende com convicção que a produção leiteira se deverá concentrar nas zonas onde a mesma é efectivamente competitiva, tendo, a propósito, procedido à identificação (a azul) das mesmas, conforme o mapa apresentado acima.

Contudo, nada foi especificamente concretizado sobre o conjunto de factores – o único a que é feita repetidamente referência é à dimensão – em que assenta essa mesma competitividade ou sob as possibilidades de a mesma ser ‘adquirida’ noutras zonas do continente europeu.

Entretanto, para além dos argumentos habituais dos detractores do sistema de quotas (distorção do mercado, ineficiências, dificuldades concorrenciais nos mercados internacionais,…) um novo tópico tem sido repetido até à exaustão nas últimas semanas: o diferencial do preço de aquisição das quotas leiteiras entre os diversos Estados-membro, sendo convenientemente apontados os casos da Holanda (2,00 euros/kg), de um lado, e da Irlanda (0,12 euros/kg) e Reino Unido (0,04 euros/kg), por outro, partindo-se daí para as correspondentes implicações ao nível do incremento (ou não) dos custos de produção e terminar na aparentemente óbvia conclusão: apenas sem quotas o sistema é transparente.

Na já referida reunião de Oulu, o tópico “desmantelamento do sistema de quotas” foi um dos principais senão mesmo o principal assunto debatido. Os diferentes países foram-se, de forma mais ou menos expectável, colocando de um e de outro lado da barreira.

Pró desmantelamento manifestaram-se sem reservas a Dinamarca, Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Alemanha e Itália. Contra mostraram-se a França, Áustria e Finlândia. Curiosas as posições de equidistância manifestadas por Espanha, Reino Unido e pelos novos aderentes de leste, com a Polónia na testa.

Portugal, o único país que não se fez representar a nível de Ministro (foi substituído pelo Secretário de Estado, Luís Vieira) terá, segundo rezam as crónicas e de forma algo surpreendente, entrado mudo e saído calado, pelo menos neste tema.

Em conclusão, a discussão sobre as quotas está ao rubro e parece que o próximo ano será decisivo em relação a uma opção que, aparenta estar a cair para o lado do seu desmantelamento.

Portugal deve rapidamente discutir e assumir uma posição oficial, mas consensual, defensiva dos seus interesses e da necessidade de manter o sector leiteiro na vanguarda da agro-pecuária, pois – nunca o devemos esquecer – sem produção leiteira no nosso país, será praticamente impossível a sobrevivência de uma indústria de lacticínios forte e competitiva.

No entanto e face ao cada vez mais provável cenário de desmantelamento do sistema de quotas leiteiras, devem começar a ser ponderados, desde já, de forma construtiva e evitando até ao limite situações de alarmisno, os diversos cenários alternativos.

É necessário criar com tempo e aproveitando o facto de se estar na fase de elaboração de um novo quadro de programação financeira onde serão enquadrados os apoios para os próximos anos, os instrumentos que permitam consolidar um núcleo forte de explorações leiteiras, de dimensão razoável, bem organizadas e tecnologicamente apetrechadas, profissionalmente geridas. Só explorações deste tipo poderão competir num cenário de liberalização da produção e devem ser para estas priorizados esses apoios, não confundindo apoios ao tecido produtivo com o necessário suporte social a todos os que irão por cento abandonar o sector.

Pedro Pimentel
Secretário Geral
ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios

A Fileira do Leite: Prioritária ou Estratégica?… – Pedro Pimentel


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