Directiva Quadro do Solo no Plano de Desenvolvimento Rural – José Freire

A Comissão Europeia, através da sua Comunicação (2006)231Texto completo da Comunicação em formato PDF ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, dá a conhecer a Estratégia Temática de Protecção do Solo, que prevê, entre outras medidas a criação de uma Directiva Quadro para o Solo, à semelhança do que já aconteceu para a água. Esta preocupação com o recurso SOLO só peca por tardia.

 No entanto, satisfaz-nos ver que nesta comunicação o solo é visto na sua plenitude, existindo ao longo do texto muitas referências à verdadeira importância deste recurso:

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O seu processo de formação extremamente lento faz com que o solo seja considerado um recurso essencialmente não renovável. O solo fornece-nos alimentos, biomassa e matérias-primas. Serve de plataforma para as actividades humanas e a paisagem e funciona como arquivo do património. Desempenha um papel fundamental enquanto habitat e banco de genes. Armazena, filtra e transforma muitas substâncias, incluindo água, nutrientes e carbono. É, com efeito, o maior “armazém” de carbono do mundo (1 500 gigatoneladas). Dada a sua importância socioeconómica e ambiental, é necessário proteger estas funções.”

“…
O Protocolo de Quioto realça a importante capacidade de armazenamento de carbono do solo, que deve ser protegida e, sempre possível, reforçada. O armazenamento de carbono em solos agrícolas através de algumas práticas de gestão dos solos pode contribuir para atenuar as alterações climáticas. O grupo de trabalho sobre sumidouros relacionados com solos agrícolas do Programa Europeu sobre Alterações Climáticas (PEAC) calculou que este potencial equivale a 1,5 – 1,7% das emissões antropogénicas de CO2 durante o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto.”

Este texto revela também que finalmente se tomou consciência que a degradação do solo não pode ser vista isoladamente, que esta degradação tem consequências muito mais abrangentes, e cuja análise aprofundada revela a verdadeira dimensão do problema:

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A estrutura do solo desempenha um papel fundamental na determinação da sua capacidade para desempenhar as suas funções. Qualquer dano na sua estrutura traduz-se em danos noutros meios ambientais e ecossistemas. O solo está sujeito a uma série de ameaças e processos de degradação. Nestes inclui-se a erosão, a diminuição da matéria orgânica, a contaminação local e difusa, a impermeabilização, a compactação, a diminuição da biodiversidade, a salinização, as cheias e os desabamentos de terra. Combinadas, algumas destas ameaças podem conduzir à desertificação de regiões áridas ou semi-áridas.”

“…
A degradação do solo é um problema grave na Europa, provocado ou acentuado por actividades humanas como práticas agrícolas e silvícolas inadequadas, actividades industriais, turismo, crescimento das zonas urbanas e industriais e construção de equipamentos. Estas actividades têm um impacto negativo, impedindo que o solo desempenhe o seu vasto leque de funções e serviços de que beneficiam os homens e os ecossistemas. O resultado é uma diminuição da fertilidade do solo, do carbono e da biodiversidade, uma menor capacidade de retenção da água, a interrupção do ciclo gasoso e do ciclo dos nutrientes e uma degradação reduzida dos contaminantes.”

“…
A degradação do solo tem um impacto directo na qualidade da água e do ar, na biodiversidade e nas alterações climáticas. Além disso, pode prejudicar a saúde dos cidadãos europeus e ameaçar a segurança dos alimentos para consumo humano e animal.”

Quais os objectivos a que se propõe a Comissão:

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O objectivo geral é a protecção e a utilização sustentável do solo, com base nos seguintes princípios orientadores: 

(1) Prevenir uma maior degradação do solo e preservar as suas funções nas situações em que: 

– o solo é utilizado e as suas funções são exploradas, sendo, portanto, necessário tomar medidas relativas aos modelos de utilização e gestão de solos, e 

– o solo funciona como sumidouro/receptor dos efeitos de actividades humanas ou fenómenos ambientais, sendo necessário tomar medidas na fonte; 

(2) Reabilitar os solos degradados, garantindo um nível de funcionalidade mínimo coerente com a sua utilização actual e prevista, tendo assim igualmente em conta os custos da reabilitação do solo.”

Qual a estratégia para atingir estes objectivos:

“…
A estratégia proposta pela Comissão assenta em quatro pilares fundamentais:

(1) Adopção de Legislação Quadro com o objectivo principal de proteger e garantir uma utilização sustentável do solo;

(2) Integração da protecção do solo na elaboração e aplicação de políticas nacionais e comunitárias;

(3) Preenchimento das actuais lacunas do conhecimento em determinadas áreas da protecção do solo através de investigação apoiada por programas de investigação comunitários e nacionais;

(4) Sensibilização do público para a necessidade de proteger o solo.”

Como? À semelhança do que aconteceu para a água através de uma Directiva Quadro:

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Proposta legislativa Após analisar as várias possibilidades, a Comissão propõe uma directiva-quadro como o melhor meio para garantir uma abordagem global da protecção do solo, respeitando simultaneamente o princípio da subsidiariedade….”

Esta Directiva Quadro obriga os Estados Membros a tomarem medidas específicas para lutar contra as ameaças que pesam sobre o solo, mas dá-lhes alguma liberdade na definição de metas e meios para as atingir.

Quanto custa e quem paga?

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Calcula-se que os custos directamente decorrentes da directiva proposta, principalmente das obrigações relacionadas com a identificação de zonas de risco e a realização do inventário dos sítios contaminados, possam atingir 290 milhões de euros por ano para a UE-25 nos primeiros cinco anos e 240 milhões de euros nos 20 anos seguintes. Estes custos descerão posteriormente para menos de 2 milhões de euros por ano…”

“…
Podem ser previstos diferentes cenários de medidas com base em diferentes níveis de ambição. Um elemento comum a todos os cenários é que os custos adicionais apenas se começariam a registar por volta de 2015 e poderiam ser suportados pelos utilizadores do solo e o poluidor e/ou pela administração pública, dependendo das decisões finais dos Estados-Membros. Os benefícios seriam partilhados sobretudo pela sociedade em geral e alguns operadores económicos.”

Podemos concluir que, no futuro, assim como aconteceu para a água, haja a possibilidade da imputação do custo do uso deste recurso aos seus utilizadores, entre os quais estão logicamente os agricultores.

No entanto, este documento também prevê que os estados membros estabeleçam desde já as suas metas e meios para as atingir. Podem inclusivamente utilizar as possibilidades proporcionadas pela legislação em vigor, como por exemplo a Eco-condicionalidade ou as Medidas Agro-Ambientais ao abrigo da PAC.

“…
Por conseguinte, os custos e benefícios irão depender deste nível de ambição e variar em função da utilização que os Estados-Membros fizerem das possibilidades proporcionadas pela legislação em vigor, por exemplo eco-condicionalidade ao abrigo da PAC, para contribuir para a protecção do solo…”

“…
Várias políticas comunitárias contribuem para a protecção do solo, particularmente a política em matéria de ambiente (por exemplo, relativa ao ar e à água) e a política agrícola (agroambiente e eco-condicionalidade). A agricultura pode ter efeitos positivos no estado do solo….”

“…
Para garantir que a acção acima delineada é posta em prática, a Comissão irá:

– Monitorizar de perto se a necessidade de proteger o solo é devidamente tida em conta nos planos de desenvolvimento rural para 2007-2013 e períodos seguintes;

– Verificar a contribuição para a protecção do solo dos requisitos mínimos das boas condições agrícolas e ambientais estabelecidas pelos Estados-Membros em conformidade com o artigo 5.º e o anexo IV do Regulamento 1782/2003;…”

Isto significa que, quanto mais for feito agora, aproveitando inclusivamente algumas Medidas e Programas já existentes, menor será o custo a suportar pela utilização do Solo no futuro. Mais: A integração de medidas de protecção do solo nas políticas nacionais e comunitárias, é o 2º Pilar desta estratégia. Ao contrário do que normalmente acontece, Portugal tinha já adoptado algumas Medidas(1) importantes de protecção do solo no anterior Plano de Desenvolvimento Rural. Estas farão obviamente parte da contabilidade final, quando se implementar a referida Directiva Quadro.

É fundamental, que no PDR 2007-2013, agora em discussão pública, não haja um retrocesso em relação ao anterior, sob pena de mais tarde se pagar este erro. Pagará o Estado, e pagarão os agricultores. As Medidas existentes(1), podem e devem ser melhoradas e adequadas às diferentes situações existentes.

José Freire
Engº Agrónomo

APOSOLO – Associação Portuguesa de Mobilização de Conservação do Solo

(1) – Sementeira Directa; Manutenção da Palha; Manutenção do Restolho; Culturas de Cobertura; Enrelvamento das Culturas Permanentes; etc.

Agricultura de Conservação, Carbono e Protocolo de Kyoto – José Freire


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