O especialista em direito do ambiente José Trincão Marques considerou que falta músculo político e fiscalização para travar a proliferação de eucaliptos em Portugal, um dos fatores que levam ao despovoamento e ao abandono dos territórios, sobretudo no interior.
José Trincão Marques salienta que só se fala nos incêndios florestais quando há crises como a desta semana, mas já se poderia ter feito “mais alguma coisa relativamente ao reordenamento florestal”, nomeadamente contra a proliferação de eucaliptos, pelo menos desde a tragédia de Pedrógão Grande.
“Esta é a principal questão. Acho que é mais eficaz, mais inteligente e mais económico combater o problema a montante, no ordenamento florestal, com mais resultados, do que propriamente a jusante, quando os problemas acontecem”, disse.
Para Trincão Marques, o problema da floresta não são só os eucaliptos, mas “toda uma conjugação de fatores como de alterações climáticas, desordenamento florestal, despovoamento do interior e abandono da agricultura e da pastorícia nos termos em que havia há uns anos”.
No entanto, embora sem dados atualizados e fidedignos, os eucaliptos “estão em expansão descontrolada pelo país todo”, apesar das leis que estabelecem limites à sua plantação.
“O problema é mais de fiscalização e de monitorização do que propriamente, se calhar, até de lei”, considerou.
Trincão Marques destacou ainda que há um ‘lobby’ muito forte das celuloses, que faz o seu trabalho e que agora até vem com o argumento de que os eucaliptos são dos maiores sumidouros de carbono, contribuindo para o combate às alterações climáticas.
“Pode ser verdade, mas a que preço?”, questionou.
“É necessário músculo político, porque o poder é um principio constitucional. O poder económico deve estar subordinado ao poder político. Este é um princípio fundamental da nossa Constituição da República. E, volto a repetir, o ‘lobby’ das celuloses é fortíssimo em Portugal”, sublinhou.
Já o Código Civil de 1966 impunha cuidados nas plantações de eucaliptos e acácias, por serem espécies que, com a sua capacidade de reprodução, abafam completamente as restantes.
“Tivemos várias fases de desflorestação intensa. A nossa floresta de hoje não é a mesma de há 200, 300, 400 anos. Os descobrimentos causaram uma desflorestação intensa, sobretudo de carvalhos, para construir naus. A construção do caminho-de-ferro também foi outra altura de grande desflorestação, para construção das sulipas para as linhas. Houve progressiva introdução de árvores exóticas, mas esta questão da cultura intensiva de eucaliptos só se põe nos últimos 50 anos”, contou.
Admitindo que “há florestas de eucalipto que estão bem ordenadas e bem cuidadas”, salientou que “o problema é o descontrolo”.
“Temos essencialmente minifúndios no centro e no norte do país, e cada pessoa planta os seus pés de eucalipto, e o próprio eucalipto vai-se alastrando com as sementes e as raízes. E o problema é que, depois, essa floresta não é ordenada. Se houver ordenamento florestal, o problema deixa de existir com esta gravidade”, considerou, salientando que os eucaliptos, mesmo em áreas ardidas, dão origem a novas árvores, já que cada raiz pode produzir mais do que um rebento.
Tal como na generalidade das culturas intensivas, estas áreas com eucaliptos representam “uma perda de biodiversidade”.
“No meio de um eucaliptal grande, quase que não se ouve nada. Não se ouvem outros seres vivos, mamíferos, pássaros, ao contrário do que sucede com outros bosques, com outro tipo de árvores, com outras espécies de plantas. Estas árvores são árvores de crescimento rápido e consomem muita água também. Secam os solos, causam desertificação, não só natural, mas também humana. Afastam as pessoas dos locais, porque não há mais nada. Havendo eucalipto não há agricultura, não há pastorícia”, concluiu.