Manuel Cardoso

O Vinho Verde

O vinho verde é um vinho raro. As uvas que o produzem em pouco ultrapassam as cem, cento e dez mil toneladas por vindima, numa produção média de sete mil e quinhentos quilograma por hectare. Como vinho raro que é, e como é habitual nas coisas raras de Portugal, os estrangeiros estão cada vez mais a descobri-lo e a valorizá-lo, vendendo-se para fora mais de trinta milhões de litros, anualmente. Cá dentro consome-se pouco, relativamente ao que seria de esperar, e por preços muito baixos (é incompreensível que na Região do Entre-Douro e Minho haja restaurantes em que o vinho da casa não seja vinho verde!). Não demorará o tempo em que nos daremos conta da oportunidade que temos diante dos olhos e em que o faremos esgotar nas prateleiras e por preços bem mais altos – porque o merece por ser um vinho de qualidades fora do comum.

O vinho verde produz-se numa região especial em escassos dezasseis mil hectares. Costa de abrigo com rios e estuários de sonhos e venturas na nossa História, de cá partiram as primeiras barricas exportadas de vinho verdadeiramente português e de ciência de Cister, ao estilo de Borgonha. Com buliço e sedução, o horizonte muda metro a metro e mês a mês, ora na serra ora na cidade, como se o velho ritmo entre brandas e inverneiras, entre o campo e a praia, entre o trabalho e a romaria, esteja ainda hoje impresso nos genes e no olhar de quem compra e vende numa loja, de quem dá o braço num vira ou de quem se senta numa esplanada a aplacar o calor com uma taça – a espraiar a vista e a espairecer ideias. Especial, pelo soco telúrico e solos breves, mas fartos, na capacidade potencial de adaptação às mudanças climáticas e por nela poderem evoluir castas durante anos, pelo facto de já mais vezes ter resistido a secas, frios, calores e condições extremas, no último milénio. Especial ainda pelo seu próprio vinho, produto de inteligência, atitude e perspectiva a partir das castas que lhe dão carácter.

O vinho verde tem cada vez menos produtores. Já são menos de catorze mil e quinhentos os que se declararam como tal na vindima de 2021. Sendo cada vez menos, os produtores são cada vez mais informados e com uma melhor percepção do seu importante papel social: produção dum vinho raro e especial; serviços culturais e ambientais de preservação da paisagem; manutenção da ocupação e povoamento do território rural. A Região dos Vinhos Verdes não é apenas uma região de produção, é e será cada vez mais uma região de destino dos que vêm e virão mergulhar na cultura do noroeste peninsular e à descoberta (ou para viver) do colorido, alegria e felicidade do Minho, lato sensu. As variáveis que fazem com que haja cada vez menos produtores são diversas mas há a consequência directa, a do aumento paulatino da área média da exploração, que terá repercussões benfazejas a curto e a médio prazo. A construção dum sólido instrumento estatístico e informativo sobre este movimento da malha produtiva pode ser, se realizado, um contributo sério para a ponderação de decisões do investimento necessário à região nos próximos anos. As fontes de conhecimento são sempre fontes de progresso e, neste caso, poderão ser fontes de bom vinho verde.

O vinho verde é surpreendente e pode sê-lo mais ainda. Pela raridade, pelas características naturais das suas castas e da região. Limitado nas quantidades produzidas sem necessidade de mais artifícios legais, a sua escassez intrínseca pode fazer com que o mercado, se continuar a ser estimulado com marketing correcto e com ganhos de notoriedade e enoturismo dentro de portas, o valorize e remunere muito mais. Com uma cultura sobre o vinho verde junto dos actores da região, capaz de captar novos consumidores, activa em inovação, descomplexada em explorar novos ambientes e espaços. Os brancos, os rosados, os espumantes e os frisantes, com os demais produtos da sua periferia, os licorosos, as aguardentes e os vinagres, estão em progresso franco com a alvarinho, a loureiro, a avesso, a trajadura e a azal, focados no vinhão e no padeiro para os tintos. Com trabalho pela frente de I&D porque, de certeza, nalguma ramada esquecida nos arredores de antigos conventos, camuflada no meio de árvores duma bordadura de ribeiro ou em qualquer outro sítio inesperado estarão castas perdidas ao longo dos séculos que, eventualmente, serão as descendentes daquelas dos primeiros tintos finos primordiais que a região produziu. Só quem não saiba de biologia poderá supor que se terão extinguido por completo! E mesmo nas cultivadas, chamadas minoritárias, presentes ainda na meia dúzia das coleccionadas na Amândio Galhano, em Sergude, em Cerveira e em quintas privadas, nestas há muito a investigar, com os modernos processos científicos, para salvaguarda futura da nossa especial diversidade. Resolver, isto é, colocar na ordem do dia a produção de material vegetativo em variedade e em quantidade é um imperativo sem o qual não haverá futuro.

Outra das surpresas dos vinhos verdes poderá vir das sub-regiões, presentes no papel, ausentes dum verdadeiro serviço aos produtores. Uma reflexão séria que deverá ser feita com base científica e objectivos definidos. Inclusive o (re)pensar DO’s se nisso estiver uma das chaves para valorizar matéria-prima, as uvas, e produtos acabados, os vinhos. O Vinho Verde do Minho nada tem a perder com gerar pensamento e acção sobre isto. Manterá o seu carácter especial, a sua raridade e o factor surpresa em quem o compre e o beba. Ganhará notoriedade e valor. A caminho de poder ser um dos grandes vinhos do mundo, o Vinho Verde terá na próxima década e meia o maior desafio da sua história recente.

Nota: com o Conselho Geral da CVRVV que terminou no dia 6 de Julho com a eleição de nova Presidência, concluiu-se uma fase de contactos e diligências que eu próprio tinha encetado para candidatura ao mesmo lugar. Este artigo estava escrito anteriormente mas a sua pertinência mantém-se já que se mantém a visão que tenho para a região com muitos dos pensamentos escritos em artigos ao longo dos últimos meses, construídos ao longo de toda a vida. Quero deixar aqui um abraço a todos os produtores e actores do sector do vinho e um agradecimento especial aos que me acompanharam com o seu incentivo, a sua troca de ideias e o seu apoio sincero nos últimos meses. Bem hajam.

Manuel Cardoso

Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.

O preço do vinho e das uvas – os anos da instabilidade


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