Há poucos dias, quase por acaso e alertado por uma nota que referia que, de entre os aspectos mais positivos para a actividade económica avultava a redução do IVA incidente sobre vários produtos alimentares, fui verificar a proposta de Orçamento de Estado para 2008 e acabei por descobrir um conjunto de verdadeiras “pérolas”.
1. Aditam-se os “iogurtes pasteurizados” à linha 1.4.5, sendo necessário recordar que a designação ‘iogurte pasteurizado’ não é permitida pela legislação portuguesa e que esta Associação desenvolveu um amplo conjunto de démarches junto da DGCI (com abundante troca de cartas e documentação) aquando da ‘entrada’ em Portugal de produtos provenientes de Espanha que pretendiam utilizar esta designação de venda e beneficiar da vantagem fiscal associada ao produto “Iogurte”.
2. É aditada a designação sobremesas lácteas à linha 1.4.8, sendo que aquando das démarches para a redução das taxas de IVA do queijo, manteiga e iogurte (de 17 para 12 e de 12 para 5% – entre 1996 e 2001) sempre foi defendido que a designação a utilizar seria a de ‘sobremesas lácteas refrigeradas’, visando não beneficiar produtos de inferior qualidade e, além disso, não fabricados em Portugal…
3. Ao contrário do que a ANIL por várias vezes reclamou, não é feita a introdução na linha 1.4.1 ou numa linha específica a criar a especificação “Soro, Soro em Pó e produtos à base de Soro”.
4. E finalmente, “la crème de la crème”, adita-se uma nova linha – a 1.4.9 – à lista I (de taxa reduzida – 5%) do código do IVA, com a designação Leite de Soja, designação que, recorde-se, não é autorizada por legislação comunitária específica.
Cheguei a referir numa troca de impressões com as nossas empresas associadas que, se quiséssemos levar ao limite os requintes de malvadez, a única reclamação a efectuar seria contra a não inclusão da palavra refrigerada na linha 1.4.8, para além, obviamente, da insistência na questão da inclusão do Soro.
Dessa forma, dada a proibição da utilização das designações de venda “Iogurte Pasteurizado” e “Leite de Soja”, as alterações agora introduzidas em nada beneficiariam os respectivos interessados, pois seria a Inspecção Alimentar (ASAE) que se substituiria à Administração Fiscal na proibição de comercialização de produtos assim designados. No entanto, todos sabemos o que poderá acontecer nestas situações com atrasos sucessivos na actuação das inspecções (o caso dos iogurtes “pasteurizados”, acima referido, arrastou-se por mais de um ano e, ao que saibamos, não teve qualquer consequência efectiva sobre todas as entidades prevaricadoras: fabricantes e distribuidores…)
Por outro lado, estas alterações mostram bem um conjunto de outras situações, todas altamente preocupantes:
a) a desarticulação inter-ministerial, com a tutela a não ser tida nem achada (mas também a alhear-se completamente) na definição do estatuto fiscal de produtos, ditos de primeira necessidade;
b) a permeabilidade da máquina fiscal a pressões várias, que com argumentos que desconhecemos promovem o ‘esquecimento’ de que existe, para além das preocupações comerciais associadas à taxação em sede de IVA, legislação nacional e/ou comunitária cujo cumprimento é imperativo.
c) o peso crescente de determinados lobbies, empenhados em causar dificuldades acrescidas à fileira do leite em Portugal
d) a tentativa de consolidar pela via legislativa práticas fiscais abusivas, em que o Estado vem sendo lesado em milhares e milhares de euros, pois apesar de estarem impedidos pelo Código do IVA, produtos como as “sobremesas lácteas” e os “leites de soja” são muitas vezes taxados pelos fabricantes aos seus clientes e por estes aos consumidores à taxa reduzida de 5%, criando óbvios problemas de ‘leal concorrência’ em relação a todos os produtos similares que assumem um posicionamento fiscal correcto.
Por tudo isto, a ANIL decidiu remeter ao Sr. Ministro das Finanças um ofício em que expusemos de forma profusa os argumentos que, julgamos, impedirão que exista qualquer dúvida em relação à razão que nos assiste. Os dois últimos parágrafos desse ofício referem que: “(…) não pretende esta Associação tornar-se maçadora e alongar-se excessivamente nos seus comentários, mas entendemos que são princípios fundamentais – acima de todos o da legalidade – que estão aqui em causa, pelo que esperamos ter sido suficientemente veementes no nosso protesto.
Entendemos ainda que nestes tempos em que termos como globalização e liberalismo andam na boca de metade dos portugueses, ainda mais quando inseridos numa Europa a vinte e sete, defender a preferência fiscal dos produtos nacionais poderá parecer conservador e proteccionista. No entanto, não podemos deixar de lamentar que medidas previstas em Orçamento de Estado pareçam haver sido construídas apenas e só para satisfazer os interesses de empresas e produtos estrangeiros, penalizando um sector importante da economia nacional.”
Cópia desse ofício foi igualmente enviada ao Sr., Ministro da Agricultura, aos Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Adjunto e da Agricultura e Pescas, do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, à Directora do Gabinete de Planeamento e Políticas do Ministério da Agricultura e ao Inspector-geral da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), bem como a todos os Grupos Parlamentares com assento na Assembleia da República.
Espera desta forma a ANIL, com as démarches que desenvolveu, convencer as autoridades competentes – Ministério das Finanças e tutela – assim como os vários Grupos Parlamentares a tomar devida nota dos argumentos que apresentamos e a proceder à efectiva correcção da Lei do Orçamento de Estado para 2008, impedindo ilegalidades e outras “espertices” fiscais.
Pedro Pimentel
Secretário Geral da ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios
Que margem de manobra para Portugal no dossier quotas leiteiras? – Pedro Pimentel