A vez do arroz tropical – Beatriz da Silveira Pinheiro

O arroz, principal item da dieta das populações asiáticas, passa por uma séria crise derivada do desequilíbrio entre a oferta e a demanda. O estoque mundial do cereal, de 147 milhões de toneladas (arroz beneficiado) no início da década, vem sendo gradativamente reduzido e atualmente não passa de 78 milhões de toneladas. Os países grandes consumidores são também grandes produtores, devido às implicações sobre a segurança alimentar, sendo o mercado internacional desse cereal muito restrito, não excedendo de 30 milhões de toneladas.

Apesar das sinalizações de mercado, o presente panorama de suspensão das transações por parte de exportadores tradicionais, corrida por estoques e expressiva elevação do preço do produto com desdobramentos até no nosso mercado, não era previsto tão cedo. Essa pressão foi acelerada por acidentes climáticos que reduziram a produção de países exportadores. Mas tende a permanecer em face do aumento da demanda derivada do aumento da população e do aumento da renda de uma parcela significativa de consumidores com pouco acesso anterior ao mercado. Potencializada pelo aumento de preço dos produtos agrícolas, devido não só ao aumento de preço dos insumos como também pela migração de investidores do setor imobiliário americano para o mercado de ” commodities”.

Apesar do aumento dos preços internos, o Brasil encontra-se em situação confortável quanto ao abastecimento. Na safra 2006/07 o Brasil produziu 11,3 milhões de toneladas (base casca) em cerca de 2,9 milhões de hectares. Na presente safra, a estimativa é 12 milhões de toneladas para uma demanda interna de 13 milhões de toneladas. Contudo, o suprimento atual é de 14,7 milhões de toneladas, derivadas da produção, estoques de passagem e importações. Assim, existe margem para exportar na mesma quantidade do ano anterior, que foi da ordem de 400 mil toneladas.

Temos sempre destacado que o Brasil tem um enorme potencial para passar da condição de importador líquido para o de exportador de arroz. Os países grandes produtores e consumidores sofrem uma alta pressão de urbanização e a água é recurso cada vez mais escasso. Por outro lado, temos área agricultável e água em abundância. Além disso, somos um dos poucos países do mundo onde o ecossistema de terras altas desempenha importante papel complementar ao ecossistema de várzeas no atendimento da demanda interna de arroz, possibilitando rápidos ajustes sobre a área cultivada em resposta a um eventual crescimento da demanda.

Atualmente, as várzeas subtropicais respondem por quase 70% da produção nacional, explorando o arroz sob o sistema de cultivo irrigado. A alta concentração de recursos humanos e instituições envolvidas com pesquisa e extensão no RS e SC, associada à infra-estrutura da produção e organização da cadeia produtiva, permitiram avanços consistentes à exploração. Como resultado, a produtividade média atual é de 6,7 toneladas por hectare (t/ha) no Rio Grande do Sul e de 7 t/ha em Santa Catarina. Considera-se, contudo, que o potencial de exploração dessas várzeas já esteja praticamente atingido, não podendo exceder muito os atuais 1,2 milhão de hectares, sob risco de não ter as necessidades de água atendidas. Os incrementos de produção sob esse ecossistema vão, pois, seguir dependendo principalmente de incrementos de produtividade, a qual já atingiu um valor muito relevante.

O ecossistema de várzeas tropicais ainda é pouco explorado com a produção de arroz. Pouco mais de 100 mil hectares são cultivados, dentre Mato Grosso do Sul, Tocantins, Roraima, Maranhão e Goiás, entre outros menos relevantes. Destaca-se o enorme potencial de várzeas, especialmente na região Norte do país. Contudo, incorporá-las à produção implica em altos investimentos com infra-estrutura, além de conformação à legislação ambiental.

Por outro lado, no ambiente tropical predomina o cultivo do arroz sob o ecossistema de terras altas. A existência de grandes extensões de áreas de cerrado já desmatadas, contínuas e mecanizáveis, com baixo risco de veranicos, dotam o nosso país de uma vantagem competitiva ímpar. Portanto, em curto prazo, o Brasil teria condições de produzir excedentes ampliando a área cultivada com arroz sob o ecossistema de terras altas, inserido na renovação de pastagens degradadas ou em sistemas de produção de grãos, evitando-se a abertura de novas áreas.

No período de abertura dos cerrados, o cultivo chegou a ocupar 4,5 milhões de hectares. Atualmente ocupa menos de 2 milhões de hectares e a ampliação de área deve ser estimulada apenas nas microrregiões classificadas como de baixo risco climático, respeitando-se as recomendações da data de plantio e ciclo da cultivar emanadas do Zoneamento Agroclimático. Os Estados do Mato Grosso, Pará, Rondônia, Tocantins e Maranhão apresentam uma considerável proporção de áreas consideradas como de baixo risco climático. Reitera-se, contudo, que não é desejável promover o crescimento do cultivo na modalidade de abertura de área ou em regiões sem infra-estrutura de produção e beneficiamento. Pelo seu destacado potencial para o cultivo, aliado ao moderno parque industrial, sobressai a região centro-norte do Mato Grosso. Poderiam ainda ser estimulados a retomar o cultivo algumas áreas do sudoeste e sul de Goiás, triângulo mineiro e sul de Minas Gerais.

O estoque de tecnologias para o arroz de terras altas é bastante consistente, abrangendo o já mencionado Zoneamento Agroclimático, técnicas de manejo do solo e da planta e cultivares de tipo de planta melhorado. Ademais, a aparência do grão das cultivares, do tipo longo-fino, não permite distingui-lo das do irrigado. Contudo, as peculiaridades do sistema irrigado propiciam um produto de melhor aparência e padrão, portanto mais apto a mercados mais exigentes.

Conclui-se que o arroz brasileiro pode ter um papel relevante na segurança alimentar de outros países, ao ajustar a área cultivada no ambiente tropical para produzir excedentes. Contudo, esta não pode ser uma estratégia aleatória e ocasional, e sim palmilhada passo a passo, devidamente acordada entre as cadeias produtivas dos dois ecossistemas e amparada por políticas e investimentos públicos e privados. E devidamente subsidiada pela pesquisa, que além de prover conhecimentos e tecnologias para assegurar a competitividade e sustentabilidade da exploração e a rastreabilidade do produto, deve ajustá-lo aos padrões de qualidade dos novos mercados.

Beatriz da Silveira Pinheiro

Chefe-Geral da Embrapa Arroz e Feijão


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