No contexto de uma violenta crise que atinge o sector do leite, o senhor Ministro da Agricultura tem-se desdobrado em declarações a tentar demonstrar que a situação criada “se deve aos erros cometidos em 2003, com a decisão de se liberalizar o sector do leite a partir de 2015, sem se acautelar as condições para preparar o sector leiteiro, nomeadamente o português, para essa liberalização”.
No passado dia 25, em Bruxelas, o senhor Ministro repetiu a critica, acusando mais uma vez os partidos da coligação, no poder em 2003, de serem os principais responsáveis pela situação no sector
O senhor Ministro esqueceu-se contudo de dizer, esquece-se sempre, que em 2003, o que o Conselho decidiu foi prorrogar o regime de quotas até 2015, uma vez que o seu fim tinha sido decidido para 2008, no âmbito da reforma da PAC de 1999, altura em que o governo português era socialista e o senhor ministro era seu assessor em Bruxelas.
Além disso, também se esqueceu de dizer, esquece-se sempre, que o Conselho de Ministros da Agricultura de 2008 que decidiu o fim das quotas, com os seus votos favoráveis, teria toda a legitimidade para continuar a prorrogar o regime de quotas pelos anos que quisesse. Depois de muitas dúvidas foi, aliás, essa a estratégia, ainda que mal sucedida, do senhor Ministro da Agricultura, que agora parece incapaz de assumir as suas responsabilidades e se queixa ilegitimamente dos que o antecederam nesse cargo há cinco anos atrás.
Também se esqueceu de dizer, esquece-se sempre, que o Conselho, com o seu voto favorável, não só não prorrogou o regime para depois de 2015, como também decidiu atingir a liberalização total, nesse ano, através de sucessivos aumentos anuais das quotas nacionais.
São aliás esses aumentos de quotas que estão a provocar a total deterioração dos mercados e dos preços do leite à produção.
O senhor Ministro estava tão confiante que iria conseguir manter o sistema de quotas que, apesar de considerar o sector do leite “importantíssimo”, não lhe atribuiu nenhuma prioridade, nem o considerou estratégico, no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural (PRODER), onde não há medidas de apoio ao sector, apesar das criticas que, por esse facto, todas as organizações agrícolas lhe dirigem.
Todas essas organizações sabem o que se passou e se espantam que o senhor Ministro não se canse de manter a sua versão. Enquanto tal continuar a acontecer, a única certeza que pode ter é que também eu não me cansarei de o desmentir.
Armando Sevinate Pinto
Ex- Ministro da Agricultura (entre 2002 e 2004)
E porque não, duas ou três verdades? – Armando Sevinate Pinto