Sim, nós podemos (Yes we can) – Carlos Neves

Em tempos de crise económica e de valores, quando os líderes da política nacional e agrícola nos desiludem, quando nos sentimos num pântano encharcado de leite e o nevoeiro não deixa ver a saída, vale a pena levantar os olhos, olhar mais longe, atravessar o Atlântico e tentar perceber o que se passou na América com o fenómeno “Barack Obama”. Que lições podemos tirar da sua histórica eleição?

Há dois anos, Obama era um desconhecido para todos nós. Ultrapassou a favorita e poderosa Hillary Clinton no seu partido, venceu as eleições e 100 dias depois de tomar posse continua com elevados níveis de aprovação. Pode falhar? Pode, porque errar é humano e porque as expectativas nele depositadas foram demasiado altas. Mas já podemos aprender muito com a história deste LÍDER.

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A sua eleição representou efectivamente uma RENOVAÇÃO na política americana (tal como precisa a nossa agricultura). Não apenas pela sua idade (47) mas pela novidade da sua carreira, sem antecedentes na família. Filho de um economista queniano e de uma antropóloga americana (que se separaram quando tinha dois anos de idade) Obama foi criado com os avós no Hawai desde os 10 anos. Com 22 anos graduou-se em Ciência política, tirou bacharelato em artes aos 23 e doutorou-se em Direito em Harvard com 30 anos. Trabalhou em projectos de desenvolvimento comunitário, foi professor universitário e eleito senador pela primeira vez em 1996. Veio de baixo e subiu a pulso na vida, devido ao seu trabalho e valor, até ao lugar “mais poderoso” do mundo.

Muito do poder de Obama vem da sua “retórica”, uma enorme capacidade de convencer as pessoas com os seus discursos. Mas aquilo não é só “lata”, tem conteúdo. Obama não parece de plástico, não soa a “oco” como as respostas esfarrapadas de alguns políticos portugueses, a começar pelo nosso Ministro da Agricultura. Mesmo quando falhou, Obama não fugiu às responsabilidades: a propósito da escolha para a sua equipa de pessoas que deviam ao fisco foi capaz de dizer com todas as letras: “fizemos asneira”!

Clique para aumentar a imagemPara além da retórica, muto do sucesso da sua campanha dependeu da capacidade de COMUNICAÇÃO com os eleitores, nos dois sentidos. A nossa agricultura e as nossas organizações agrícolas têm uma enorme dificuldade em comunicar, tanto ao nível interno, entre agricultores e direcções, como para o exterior, com a sociedade.

A sua HUMILDADE, ausência de arrogância e disponibilidade para ouvir ajudam nessa comunicação e têm sido bem recebidas na política internacional. Ele sabe o poder que tem e não precisa de se gabar disso, falar alto ou ser insolente…

Pelas notícias que nos chegam, parece haver lá um “RESPEITO PELO PASSADO” muito importante numa fase de mudança. Ainda não ouvi falar na “pesada herança” para justificar os problemas actuais. Pelo contrário, houve coragem de fazer a ponte com o lado oposto, indo buscar para a administração antigos adversários, valorizando a competência, tanto do partido republicano como do próprio partido, no caso a sua rival Hillary Clinton.

Obama parece também capaz de trabalhar em EQUIPA , tanto na administração (diz muitas vezes “nós”) como numa enorme cumplicidade com a família. Saber que trabalha em rede e com rede por baixo transmite-nos confiança, porque as suas decisões são estudadas e ponderadas.

Os mais atentos devem lembrar-se que os números das sondagens entre os candidatos estiveram muito próximas até poucos meses antes da eleição, quando a crise económica “arrasou” a administração Bush. Efectivamente, George Bush podia estar muito mal visto na Europa, nos países árabes ou no resto do mundo, que isso não incomodava muito os americanos. O problema foi quando lhes mexeram no bolso e no emprego. E Obama, além de tudo o que disse atrás, foi capaz de convencer os Americanos que a sua COMPETÊNCIA e sua Equipa seriam mais capazes de vencer a crise.

Mais que tudo, foi capaz de lhes transmitir ESPERANÇA. “Yes we can” (Sim, nós podemos) foi um slogan brilhante pela simplicidade e pela força que transmitiu, aos negros, a todas as minorias, aos colegas de partido, aos americanos. E se eles conseguiram, nós também podemos. Mudar. Para melhor. Claro que isso exige que alguém, muitos, estejam dispostos a trabalhar e sofrer por isso. Por outras palavras, adaptando uma fase de outro famoso presidente, Jonh Kennedy, “não perguntes quem vai fazer a mudança por ti, pergunta o que podes fazer pela mudança.”

Carlos Neves
Jovem agricultor

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