Tarde e a más horas! – Carlos Neves

O Governo anunciou recentemente que, entre 19 de Junho a 15 de Setembro de 2009, está aberto concurso (período de candidaturas para apoios ao investimento) para Modernização e Capacitação das Empresas no Sector do Leite, com objectivo de “Promover o processo de modernização, capacitação e redimensionamento das explorações pecuárias (…) melhorar o desempenho ambiental das explorações leiteiras (…) Adaptar as explorações ao novo regime jurídico para a actividade (REAP) no que respeita à gestão dos efluentes pecuários, nomeadamente o redimensionamento da capacidade de armazenagem”. Ainda não está escrito mas foi prometido que o sector do leite será “equiparado” a “estratégico”, com apoios equivalentes aos sectores mais apoiados.

Esta ajuda ao investimento foi justificada pelo Governo como forma do sector se adaptar à liberalização do mercado após 2015. Só não percebo uma coisa: Se o Ministro da Agricultura insiste que o fim das quotas foi aprovado em 2003, porque é que só agora, 4 anos depois de tomar posse, descobriu que o sector precisava de ajuda para se adaptar a essa realidade?

Em condições normais de mercado, eu diria agora “mais vale tarde do que nunca”, porque andámos a reclamar estes apoios ao investimento desde há 4 anos. Mas nós não estamos em condições normais. Na Europa, no Mundo e em Portugal muitos produtores já estão a receber abaixo dos custos de produção e os preços ainda não pararam de cair; Cruzou-se redução do consumo provocada pela crise com o aumento da produção estimulado pelos preços de 2007/2008 e permitido pela “aterragem suave” e aconteceu o “encharcamento” que era previsível, com o aproveitamento dos Hipermercados para importar sobras de leite disfarçadas de marcas brancas. Por toda a Europa, sucedem-se manifestações e revoltas de agricultores. As falências não tardam. A Comissão não cede na liberalização do mercado e tentam convencer-nos que resolvem alguma coisa antecipando o RPU 2 meses. Se pagássemos o IRS dois meses mais cedo, acabava o défice do país?

Ao dizer, como disse, que o problema do leite está resolvido com esta ajuda ao investimento, o Ministro continua a não ver a realidade e a tentar tapar o sol com a peneira. Se estes apoios ao investimento tivessem vindo há 3 ou 4 anos, alguns produtores de leite estariam agora um pouco melhor preparados para enfrentar as dificuldades. Mas investir agora?

Para haver investimento é preciso ter dinheiro, expectativas de mercado e confiança no sistema. Se o dinheiro já não chega para as despesas correntes, como investir? Se não se vê até onde e quando vão cair os preços, como planear o negócio? Se o PRODER ainda não pagou nenhum investimento, se os projectos de 2008 vieram quase todos chumbados e ainda não há resposta para os projectos de Janeiro, quem vai acreditar numa máquina que não funciona? Veio tarde e na pior altura possível este “concurso”. É como falar de prevenção no meio de um incêndio. Agora é hora de apagar o fogo!

Se o Ministro da Agricultura quiser fazer alguma coisa para salvar a produção de leite pode defender na Europa a redução imediata das quotas leiteiras para ajustar a produção ao consumo; pode lutar pelo reforço dos mecanismos europeus de intervenção no mercado para retirar excedentes; deve fazer resgates “a sério” das quotas leiteiras para todos os pequenos produtores que queiram abandonar o sector e não apenas prometer aumentar o RPU aos pequenos produtores das zonas vulneráveis que deixem a produção, o que significa meia dúzia de explorações; Pode atribuir ajudas de emergência em tempo útil, coordenadas com créditos bonificados a longo prazo, para aliviar a tesouraria das empresas. Pode e deve trabalhar em coordenação com o Ministro da Economia para sentar à mesma mesa produtores, indústria e distribuição, para moderar conflitos e encontrar soluções equilibradas e responsáveis para a comercialização do leite produzido em Portugal. Resolvidos os problemas urgentes de mercado, então fará sentido investir para sermos competitivos a médio e longo prazo. Sem isso, nada feito.

Carlos Neves
Jovem agricultor

Sim, nós podemos (Yes we can) – Carlos Neves


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