No passado dia 17 de Dezembro de 2008 foi apresentada pelo INE à comunicação social uma informação, baseada numa primeira Estimativa das Contas Económicas de Agricultura de 2008, sobre o Rendimento da Actividade Agrícola em Portugal nesse mesmo ano, na qual se concluía ter atingido um aumento de 4,8% em relação ao ano de 2007.
No dia seguinte, o EUROSTAT tornou públicas as suas primeiras estimativas (baseadas nas informações fornecidas pelos diferentes Estados Membros da UE) sobre a evolução provável do valor real do rendimento por unidade de trabalho entre 2007 e 2008 na UE-27 e na UE-15, na qual se concluía corresponderem a decréscimos médios de, respectivamente, 4,3 e 4,9%.
No dia 19 de Dezembro o Gabinete do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, fez sair uma nota de imprensa a salientar o facto de, em Portugal, o rendimento da actividade agrícola ter crescido, em 2008, 4,8%, enquanto que na UE-27 se tinha verificado, em média, uma queda de 4,3%.
Uma análise atenta do texto e dados fornecidos pela informação do INE de 17/12/2008, levam-me a apresentar os dois seguintes tipos de comentários:
– um primeiro tipo de comentários relacionado com as estimativas utilizadas pelo INE no cálculo do rendimento da actividade agrícola em Portugal no ano de 2008;
– um segundo tipo de comentários, que diz respeito ao significado do indicador de análise do rendimento da actividade agrícola adoptado pelo EUROSTAT.
Baseado nos dados de que disponho e nos elementos fornecidos pelo INE no contexto do Boletim Mensal da Agricultura, Pescas e Agro-Indústria de Dezembro de 2008, parecem-me correctas a grande maioria das estimativas apresentadas para o volume, preços e valores dos produtos e dos factores intermédios agrícolas em 2008, com excepção para a estimativa quanto ao valor dos chamados subsídios aos produtos. De facto, quer uma apreciação qualitativa das tendências de evolução deste tipo de ajudas (ou pagamentos) à produção em Portugal entre 2007 e 2008, quer os dados disponíveis no IFAP até 26 de Dezembro de 2008, apontam, apenas, para um valor de 174 milhões de euros, 24% inferior ao valor estimado pelo INE para este tipo de apoios públicos, que aponta para um montante de 229,7 milhões de euros.
Se, como estou convencido, a minha estimativa é mais correcta do que o INE, o aumento alcançado em 2008 em relação a 2007, pelo rendimento da actividade agrícola em Portugal, terá sido de, apenas, 2,1% e não de 4,8%, o que não põe, no entanto, em causa o facto de, em média, a agricultura portuguesa ter evoluído de forma mais favorável do que as da UE-27 e da UE-15 no que respeita aos respectivos rendimentos agrícolas.
No que diz respeito ao indicador utilizado anualmente pelo EUROSTAT para analisar a evolução do rendimento agrícola importa começar por sublinhar que, contrariamente ao que a sua designação dá a entender, ele não exprime a evolução do rendimento do conjunto do sector agrícola de cada Estado Membro da UE, mas, apenas, o seu valor por unidade de trabalho ano (UTA) agrícola utilizada. Assim sendo, o indicador em causa resulta de um divisão, em que:
– o numerador é o chamado Rendimento dos Factores, ou seja, o Valor Acrescentado Líquido (VAL) a custo de factores; e
– o denominador é o número de unidades de trabalho agrícola efectivamente utilizado no ano em causa.
Na medida em que se pretende em cada ano analisar a variação do referido indicador em relação ao ano anterior, utiliza-se o deflator do PIB para tornar comparáveis os valores dos anos em causa.
De acordo com as estimativas do INE e, consequentemente, do EUROSTAT, o número de UTA decresceu em Portugal, entre 2007 e 2008, cerca de 4,3%, o que nos permite concluir que o aumento de 2,1% alcançado pelo indicador de rendimento proposto, esconde uma quebra de 2,5% no rendimento do sector agrícola português no ano de 2008.
Quer isto, portanto, dizer que o rendimento agrícola de cada unidade de trabalho utilizada anualmente só cresceu em 2008 em relação a 2007 porque se verificou uma redução superior a 2,5% do número de dias de trabalho agrícola fornecidos anualmente pela respectiva mão-de-obra familiar e assalariada.
Importa, por outro lado, realçar que o rendimento do sector agrícola expresso pelo respectivo VAL a custo de factores, pode ser decomposto em duas componentes principais:
– o rendimento agrícola resultante das respectivas actividades de produção vegetal e animal, que corresponde ao VAL a preços no produtor;
– o rendimento agrícola resultante das transferências de rendimento geradas pelos pagamentos aos produtores, que corresponde ao valor dos subsídios aos produtos e dos outros subsídios à produção, líquidos dos respectivos impostos.
Da análise da evolução em 2008 destas duas componentes do VAL a custo de factores somos levados a concluir que o decréscimo de 2,5% sofrido pelo rendimento do sector agrícola português foi resultante de:
– uma quebra de cerca de 7% no valor a preços reais do respectivo VAL a preços no produtor, idêntica à obtida com base nas estimativas do INE;
– um aumento de 4,3% no valor real dos apoios públicos aos produtores em vigor no ano em causa, inferior ao aumento de 10,5% decorrente das estimativas do INE.
Em consequência destas alterações aumentou, em 2008, o peso dos apoios públicos aos produtores no rendimento do sector agrícola, que aumentou de 41% em 2007 para 44% em 2008, o que reflecte uma perda de competitividade da agricultura portuguesa no ano de 2008.
Importa, finalmente, salientar três outros aspectos relevantes no âmbito da evolução da componente do rendimento do sector agrícola resultante das respectivas actividades de produção vegetal e animal.
Por um lado, num ano em que tanto se falou na escalada dos preços dos produtos agrícolas, verificou-se que um dos principais aspectos negativos na evolução em Portugal do VAL a preços no produtor foi a deterioração verificada nos termos de troca agrícolas, uma vez que em 2008 os preços recebidos pelos produtos agrícolas cresceram, em média, menos de metade (4,4%) do que cresceram os preços pagos pelos factores de produção intermédios (10,6%).
Por outro lado, tomando como referência a diferenciação proposta pelo Ministério da Agricultura entre produtos estratégicos e não-estratégicos, verificou-se que em 2008 os acréscimos em volume e em valor da produção dos bens classificados como não-estratégicos (cereais e produtos animais) foram muito mais significativos que os alcançados pelos bens classificados como estratégicos (hortícolas, frutos, vinho e azeite). Foi, aliás, o comportamento dos bens agrícolas classificados como não-estratégicos, o principal responsável pelo aspecto mais favorável da evolução da agricultura portuguesa em 2008, que consistiu num aumento em volume de 6,5% no respectivo valor acrescentado bruto.
Por último, comparando a evolução a preços reais dos apoios aos produtores em 2008 com a evolução ocorrida nos últimos anos, pode-se concluir que os aumentos verificados neste último ano (+4,3%), só muito parcialmente compensaram as perdas acumuladas ente 2004-2007 (-17,2%), às quais corresponde uma taxa média de crescimento anual de -6,1%.
Pode-se, assim, como conclusão final, afirmar que, apesar, de se ter verificado em 2008 uma melhoria do rendimento da actividade agrícola por unidade de trabalho utilizada em Portugal (+2,1%), esta teve subjacente uma quebra significativa no rendimento do conjunto do sector agrícola português (-2,5%) e, sobretudo, da sua componente que resulta exclusivamente das actividades de produção vegetal e animal (-7%). O resultado final positivo assim alcançado foi, portanto, consequência do efeito conjugado dos acréscimos verificados nos apoios públicos aos produtores agrícolas (+4,3%) e dos decréscimos nas UTA utilizadas (-4,3%) que, em conjunto, mais que compensaram as perdas do rendimento sectorial em causa.
Francisco Avillez
Professor Emérito do ISA, UTL
Sustentabilidade Económica e Desenvolvimento Rural – Francisco Avillez