Confrontados com a destruição das suas estruturas produtivas e com os elevados riscos que então representava uma dependência excessiva dos mercados agrícolas mundiais, os países europeus viram-se na necessidade de adoptar, após o final da II Guerra Mundial, políticas agrícolas capazes de promover uma capacidade produtiva nacional capaz de assegurar uma crescente segurança alimentar.
Foram, fundamentalmente, de dois tipos os modelos alternativos de política agrícola pelos quais, na época, se considerou ser possível optar.
Por um lado, o recurso aos pagamentos aos produtores baseados nas quantidades produzidas, com base nos quais se visava incentivar a produção sem, no entanto, influenciar negativamente o respectivo consumo.
Por outro lado, o recurso a medidas de suporte de preços de mercado, através dos quais se influenciava a formação de níveis mais elevados de preços no produtor e no consumidor, contribuindo, simultaneamente, para incentivar a produção e desincentivar o consumo de bens alimentares e de matérias primas agrícolas.
Os centros de decisão política europeus mais preocupados em equilibrar as perdas de eficiência económica com os ganhos de segurança alimentar, optaram pelo primeiro tipo de modelo de políticas.
Os centros de decisão política que, como os responsáveis pela concepção da política agrícola comum (PAC) no início dos anos 60 do século XX, optaram pelas medidas de suporte de preços de mercado, privilegiaram o objectivo segurança alimentar em detrimento da eficiência económica.
Durante os primeiros anos de aplicação da PAC, em que a procura agrícola comunitária se manteve superior à respectiva oferta, as perdas de eficiência económica foram compensadas pelas crescentes garantias de um abastecimento normal dos mercados de bens agrícolas e pela estabilidade dos respectivos preços no consumidor, num contexto de mecanismos de protecção geradores de receitas orçamentais. Neste âmbito, tanto os produtores agrícolas como os contribuintes beneficiavam das medidas de política então em vigor, sendo as perdas de eficiência económica e os custos adicionais suportados pelos consumidores inteiramente razoáveis face à redução dos riscos de insegurança alimentar entretanto alcançados.
No entanto, muito rapidamente a oferta agrícola comunitária tornou-se excedentária tendo-se, assim, acrescentado às perdas de eficiência económica e aos custos suportados pelos consumidores, crescentes custos no âmbito do orçamento comunitário, do comércio internacional e do ambiente.
Crescentes custos orçamentais, porque a formação dos excedentes agrícolas se processava com base quer em mecanismos de intervenção pública (compras e armazenagem), quer em restituições às exportações.
Crescentes custos no âmbito do comércio internacional, porque as medidas de suporte de preços de mercado, não só desviavam para o mercado interno uma parte da procura comunitária que, na ausência de tais medidas, se dirigiria para os correspondentes mercado mundiais, como também, os volumes de produção que beneficiavam de restrições às exportações constituíam uma oferta adicional artificialmente lançada nos mercados externos, uma e outra com custos significativos para as agriculturas dos países parceiros da UE no comércio internacional, em consequência do seu impacto negativo sobre os preços agrícolas mundiais.
Crescentes custos ambientais, porque os incentivos à produção agrícola adoptados foram responsáveis por um processo de intensificação tecnológica e de ocupação e uso dos solos com impactos crescentemente negativos sobre os recursos naturais, paisagísticos e patrimoniais das zonas rurais.
Desde muito cedo que as contradições geradas por este tipo de políticas agrícolas estiveram na base de sucessivas propostas de reforma da PAC, que com início no célebre Plano Mansholt do final dos anos 60 do século passado, assumiu a forma de diversos ajustamentos parciais no decorrer das décadas de 1970 e 1980, tendo, apenas, dado origem a um processo mais coerente e aprofundada com a reforma de 1992 a que se lhe seguiu a reforma de 1999 no contexto da Agenda 2000 e, mais recentemente, a reforma aprovada em Junho de 2003 e o exame de saúde da PAC.
O debate sobre a reforma da PAC foi, desde o início, conduzido por aqueles que no mundo académico e político, defendiam que a agricultura europeia devia ser encarada da mesma forma que os restantes sectores económicos e que, uma vez ultrapassado o principal motivo que havia estado na origem da PAC (garantia da segurança alimentar), se tornava indispensável proceder a um sistemático desmantelamento das medidas de suporte de preços de mercado em vigor, através de uma crescente abertura ao exterior dos mercados agrícolas comunitários e aproximação dos respectivos preços aos correspondentes preços paritários de importação e de exportação.
Muitos foram, no entanto, aqueles que, não pondo em causa a inevitabilidade do referido desmantelamento, defenderam, a necessidade de o enquadrar no contexto de um conjunto de medidas de carácter temporário e permanente capazes de assegurar um processo de reestruturação e reconversão dos sistemas de ocupação e uso do solo dominantes capaz de tirar partido das novas oportunidades económicas criadas, minimizando simultaneamente os riscos sociais e ambientais dele decorrentes.
A corrente vencedora no âmbito da reforma da PAC de 1992, apostou num conjunto de alterações que, estando baseadas num desmantelamento progressivo das medidas de suporte de preços de mercado assentarem, no essencial, na introdução de pagamentos aos produtores baseados nas áreas cultivadas e no número de animais elegíveis, donde resultou uma alteração muito pouco significativa dos níveis de apoio directo à produção vegetal e animal até então em vigor. Este novo tipo de políticas que teve continuidade no âmbito da Agenda 2000, apesar de ter contribuído para uma redução das perdas de eficiência económica no consumo, pouca influência teve na minimização dos outros tipos de custos anteriormente referidos.
A corrente perdedora, no âmbito da qual eu me incluo, desde o início considerou o processo de desligamento como um instrumento fundamental para o futuro da agricultura da UE, uma vez que, na sua opinião, este constituía a melhor forma de conciliar a inevitável liberalização dos mercados com a disponibilização do tempo e dos recursos necessários para assegurar uma reconversão dos sistemas de ocupação e uso dos solos agrícolas cuja viabilidade futura ficava comprometida pelo desmantelamento progressivo dos apoios directos à produção vegetal e animal.
Uma vez aprovado, com a reforma de 2003, o regime de pagamento único (RPU) desenharam-se, de imediato, três correntes de opinião distintas.
Os que, tendo desde o início se oposto à aprovação do processo de desligamento da produção dos apoios públicos à agricultura na UE, se baseiam no aparente insucesso das novas orientações adoptadas, para propor a sua urgente substituição por formas alternativas de apoio directo à produção indispensáveis, na sua opinião, para evitar um progressivo abandono da produção agrícola e dos territórios rurais.
Aqueles que apoiaram a introdução do RPU por razões meramente tácticas, ou seja, como forma de mais facilmente fazerem aprovar a continuação do processo de desmantelamento dos apoios directos à produção. O seu objectivo último foi, portanto, o de apressar o processo de liberalização dos mercados agrícolas comunitários, garantindo, futuramente, uma libertação dos fundos afectos ao 1º Pilar da PAC para utilizações alternativas noutros sectores económicos da UE.
Finalmente, aqueles que, como eu próprio, reconhecendo o carácter necessariamente transitório do RPU, consideraram ser indispensável que os fundos que estão, actualmente, afectos ao 1º Pilar da PAC, venham a ser integralmente transferidos para o 2º pilar da PAC com o objectivo de se assegurar um reforço e diversificação dos apoios aos produtores agrícolas directa e indirectamente orientados para a promoção quer da competitividade económica e/ou diferenciação ambiental dos sistemas de agricultura de produção, quer da sustentabilidade futura de sistemas de agricultura prestadores de serviços ambientais e/ou rurais.
Contrariamente àquilo que parecem pensar os defensores dos dois primeiros tipos de correntes de opinião identificados, o desafio actual quanto ao futuro da PAC já não se situa, como até há poucos anos atrás, num confronto entre uma visão estratégica produtivista e uma visão estratégica economicista, ou seja, exclusiva ou predominantemente orientadas para o aumento da produção ou para a competitividade económica agrícolas. De facto, se admitirmos como irreversíveis as crescentes tendências de liberalização dos mercados agrícolas comunitários, as opções de produção agrícola futuras só terão condições de viabilidade asseguradas se os respectivos custos unitários forem inferiores aos correspondentes preços paritários de importação e de exportação, ou seja, se forem capazes de competir no contexto dos respectivos preços mundiais, o que inviabiliza em definitivo a opção produtivista.
O que, na minha opinião, actualmente divide aqueles que irão ter responsabilidade nas decisões a tomar quanto ao futuro da PAC é o confronto de posições entre a monofuncionalidade e a multifuncionalidade das respectivas visões estratégicas, estando esta última sujeita a desvios de tipo economicista e ambientalista.
Dadas as limitações agro-ecológicas e sócio-estruturais da agricultura portuguesa, uma visão estratégica de tipo monofuncional ou baseada num desvio economicista da multifuncionalidade, ambas exclusiva ou predominantemente orientadas para o apoio à competitividade dos sistemas e estruturas de produção, é, em nossa opinião, a que pior responde a um futuro desenvolvimento sustentável da agricultura e do mundo rural em Portugal.
Uma visão baseada num desvio ambientalista da multifuncionalidade, ou seja, uma opção estratégica visando predominantemente o apoio a sistemas de ocupação e uso dos solos ambientalmente orientados, mas com uma viabilidade económica e social pouco sustentada, constitui um outro tipo de alternativa também pouco desejável do ponto de vista do futuro da agricultura e do mundo rural português.
Neste contexto, somos de opinião, que só uma aposta coerente numa visão estratégica multifuncional da PAC será capaz de conciliar, de acordo com as especificidades das agriculturas dos diferentes Estados Membros da UE, a competitividade económica das respectivas unidades de produção com a sustentabilidade ambiental e social dos sistemas de ocupação e uso dos solos agrícolas e florestais dominantes.
A possibilidade deste tipo de visão multifuncional da PAC vir a prevalecer no futuro irá, em última análise, depender de dois diferentes tipos de factores.
Por um lado, de factores de âmbito comunitário que irão ser determinantes no contexto das negociações que se avizinham, quer quanto ao futuro do orçamento comunitário, quer quanto ao modelo de políticas agrícolas e rurais a adoptar após 2013.
Por outro lado, de factores de âmbito nacional relacionados com a vontade e capacidade políticas do Governo Português para conceber e liderar um projecto nacional capaz de mobilizar os principais agentes económicos e sociais que integram o sector agrícola e o mundo rural nacionais e de ser capaz de o impor no âmbito da UE.
A aproximação das eleições deverá ser aproveitada pelos portugueses em geral e pelos habitantes das zonas rurais em particular para exigirem dos candidatos e respectivos partidos uma clarificação das opções estratégicas que entendam dever ser implementadas nos próximos anos, das quais irão depender, em última análise, quer a viabilidade das explorações agrícolas e do tecido económico e social das zonas rurais, quer a sustentabilidade dos recursos naturais, paisagísticos e patrimoniais dos respectivos territórios.
É essencial que, independentemente dos resultados eleitorais, as orientações de tipo monofuncional e economicista que têm dominado a política agrícola e rural em Portugal nestes últimos anos venham a ser futuramente alteradas e que, no seguimento das negociações que se aproximam a nível comunitário, a multifuncionalidade passe a constituir o núcleo central da futura PAC.
Francisco Avillez
Professor Emérito do ISA, UTL
A fileira do bioetanol em Portugal: uma morte anunciada – Francisco Avillez