Uma vez mais, a ocorrência de “fenómenos extremos” está na ordem do dia. Invocados nos mais variados contextos, a dada altura surge a questão fundamental: o que são afinal “fenómenos extremos”? Na nossa conversa de hoje, convido-vos a um breve olhar sobre os mesmos, da sobriedade da Ciência fundamental, ao fervilhar do teatro de operações. Onde tudo acontece. E onde realmente se pode fazer a diferença.
O que são afinal “fenómenos extremos”?
Fundamentalmente, são ocorrências cujas características dinâmicas se desviam vincadamente do funcionamento mais habitual de um sistema. Mas que todavia dele fazem parte integrante. Tecnicamente, em geometria da informação aparecem como desvios transientes relativamente ao “atractor” do sistema. O que em termos estatísticos se reflete em posições distantes dos centros de massa modais ou regimentais de uma distribuição de probabilidade. É de notar a relatividade de tal condição, porquanto ser extremo depende do que suceda ao estado de referência.
Cumpre todavia notar que tal não significa que sejam aberrações nefastas, porquanto a natureza, como tudo na vida, não se faz simplesmente de hábitos, de médias, de padrões fofinhos. Por exemplo, a chamada distribuição Normal, tão importante na estatística tradicional, não se aplica ao que de mais interessante e marcante acontece na Natureza. As médias não são necessariamente mais prevalentes do que os extremos, e estes não são anómalos como é erradamente assumido por quem levianamente aplica tais estatísticas às dinâmicas naturais.
Em sistemas oscilantes e tantos outros de estatística não-normal, os eventos extremos são naturalmente muito mais prevalentes e persistentes do que o simplismo da distribuição normal faria antever. Os fenómenos extremos não são necessariamente esporádicos e muito menos erráticos. As caudas das distribuições naturais estão repletas de “lombas”, de “clusters”, focos de não-linearidade que refletem períodos em que os extremos são mais intensos e persistentes, por oposição a outros períodos em que os extremos são mais dissimulados e intermitentes.
Por exemplo, em simples sistemas osciladores harmónicos como ondas ou pêndulos, os regimes de maior densidade, isto é, onde há maior concentração de ocorrências, são encontrados em torno dos extremos e não da média global. A
que ao olhar para as estatísticas de oscilações geofísicas como o El Niño ou a Oscilação do Atlântico Norte, encontramos tipicamente uma bimodalidade, com prevalência de uma bipolarização entre estados extremos, e bem mais fraca densidade de ocorrências em torno de estados intermédios. Não é drama meus amigos, é o reflexo estatístico da natureza física de qualquer oscilação. Sendo que no caso climático há sempre um “twist” com tanto de fascinante como de desafiante: as oscilações climáticas não são puramente periódicas. Na verdade, têm arritmias!
A relatividade dos extremos no pulsar arrítmico da Natureza
Sem prejuízo do drama ambiental e humano associado, eventos extremos fazem parte do pulsar arrítmico de uma Natureza em permanente evolução, uma Natureza que desafia padrões, que desafia convenções, e que dia após dia relembra à Ciência, a verdadeira Ciência, o dom do encantamento… e da humildade.
Os fenómenos extremos não são necessariamente os mais destrutivos num sistema. São pura e simplesmente os menos habituais, as excursões transientes num sistema que não está permanente adormecido num equilíbrio estático. Todavia, é natural que apenas chamem à atenção os extremos que causam impactos significativos, a tal ponto que quando algo destrutivo acontece cria-se logo a impressão de ser um fenómeno extremo, mesmo não o sendo. Dias de tempo ameno nos polos configuram extremos brutais. Como o são dias secos e ensolarados nos climas mais húmidos.
Se alguém é habitualmente sereno e um dia vem e “parte a loiça toda”, isso é tido por fenómeno extremo. Como também se alguém está habituado a “partir a loiça toda” mas um dia até se porta serenamente, esse comportamento pode ser considerado extremo relativamente a tal referência. Ser extremo é sempre relativo.
Tomando agora um exemplo prosaico da política do dia-a-dia. Num país posicionado à esquerda do centro político internacional, partidos que internacionalmente seriam centristas são percepcionados como sendo de direita relativamente ao centro político nacional. Os de esquerda mais radical apareceriam como uma esquerda mais moderada. E os que internacionalmente são reconhecidos como direita moderada seriam percepcionados nacionalmente como sendo uma direita mais radical.
Se levássemos o moderado centro-direita austríaco para Portugal, estaria ali enquadrado como direita radical. E então se levássemos forças austríacas mais à direita, toda a direita portuguesa sem exceção teria de sentar-se à sua esquerda. Raciocínio complementar se aplica aos Estados Unidos. O Partido Democrata, ali visto como de esquerda, poderia encontrar paralelo português não tanto no Partido Socialista, mas mais no Partido Social Democrata. E o Partido Republicano? Em tempos, talvez uma espécie de CDS. Agora talvez mais próximo de um Chega.
Se bem que obviamente as coisas não são lineares. Mesmo havendo uma matriz dominante em cada força, nela há sempre um pouco de tudo. Atenção que não sou de ciências políticas. Esta é apenas a minha percepção cidadã para contextualizar a relatividade dos extremos.
Voltando à Natureza. Tempestades. Se estivermos em zonas climáticas onde tal realidade é recorrente e persistente, então não podem ser considerados extremos per se. A sua falta, isso sim, é um fenómeno extremo. Chove a cântaros nas Arábias? Extremo. Dia glorioso de sol abrasador na […]