Há aproximadamente um ano, escrevi um texto que intitulei “10 razões para defender as quotas leiteiras”! Um ano volvido, mantenho as mesmas convicções quer em relação ao interesse na continuidade do sistema, quer em relação às consequências gravosas para Portugal do respectivo desmantelamento.
No entanto, com as decisões do Conselho de Ministros de Bruxelas do passado dia 20 de Novembro, estamos perante um novo cenário, razoavelmente consolidado, e que deixa a discussão sobre as quotas para um plano meramente filosófico!
Face a este novo cenário, não há espaço nem tempo para mais trocas de acusações nem para mais contabilizações de perdas e ganhos… Sabemos todos que os desafios que teremos que enfrentar serão certamente os mais difíceis que alguma vez tivemos pela frente, mas temos alguma alternativa que não passe por encará-los ‘olhos-nos-olhos’ e dar o nosso melhor para os ultrapassar?
Seria muito importante que entre a Administração e os principais actores da fileira fosse rapidamente consensualizada uma grelha de prioridades. O tempo urge e os meios disponíveis são, ao que sabemos, demasiado escassos, pelo que não nos resta outra solução que não a de realizar opções conscientes mas decididas, rigorosas mas em tempo útil, limitadas em número mas maximizadas ao nível do seu efeito de alavancagem e de multiplicação!
De há muito surgiu a convicção que o risco maior associado à destruição do sistema de quotas passará pela provável incapacidade da produção leiteira nacional assegurar o aprovisionamento do conjunto de unidades de transformação instaladas no nosso país. Também não é uma especial novidade projectar que esse risco é tanto maior no Continente do que nos Açores, não apenas pela menor vocação produtiva de amplas áreas do território, como também pela excentricidade geográfica do nosso país e pela situação de déficit permanente de abastecimento que se verifica em Espanha e que deverá demorar ainda vários anos a ser corrigida.
Assim, um dos principais senão mesmo o principal desafio que teremos que enfrentar passa por encontrar soluções que estanquem a ‘sangria’ ao nível da produção leiteira. Tal só será possível se se verificar um apoio eficaz às explorações leiteiras mais viáveis, se conseguirmos ‘conquistar’ alguma contenção em relação a diversos custos de produção e se a aposta incidir também no incentivo à cooperação entre produtores, aumentando a dimensão produtiva, partilhando investimentos, custos, responsabilidades e trabalho, dignificando a profissão e captando novos produtores, mais jovens e mais profissionalizados.
O cumprimento da legislação em matéria de ambiente, saúde e bem-estar animal é, todos o sabem, fundamental. O licenciamento das explorações, expurgado de excessivas burocracias e de regras absurdas, é igualmente primordial. No entanto, se a responsabilidade de cada produtor não pode ser iludida, importante seria que o Estado não deixasse de assumir a parte que lhe cabe e contribuísse (não apenas financeiramente) para a resolução de alguns desses problemas, assumindo-os como ‘custos de contexto’ e recordando que os actores da fileira do leite são igualmente contribuintes, a quem é sistematicamente apresentada uma ‘carta de deveres’ mas quase sempre escondido o correspondente menu de ‘direitos’.
O caso dos Açores é bastante distinto e justificaria uma análise mais específica, que fica desde já prometida! De qualquer modo, a reconhecida vocação leiteira e o elevado peso do sector na economia local deixam a ‘promessa’ de que o abandono produtivo poderá ser menos significativo na Região.
A respectiva distância dos mercados de consumo condiciona, como é sabido, o perfil de especialização produtiva do Arquipélago. A opção pelo fabrico de queijo, em detrimento do de leite em pó afastou, em alguma medida, os Açores dos mercados dos produtos lácteos a granel, altamente voláteis, mas aumentou muito a sua exposição à concorrência internacional num dos mercados mais competitivos da actualidade – o dos queijos de vaca – onde operam todos os principais players do sector, da Velha Europa e do Novo Mundo!
A vocação leiteira do Arquipélago não depende das suas belas paisagens ou da imagem idílica da vaca em pastoreio nos belos pastos que aí abundam. Essa vocação leiteira passa, isso sim, pela capacidade de produzir leite – em quantidade e qualidade – numa situação de vantagem competitiva em relação aos seus principais concorrentes, ou seja, a custos mais reduzidos que os dos seus competidores, aproveitando de forma eficaz as condições edafo-climáticas da Região e dos seus recursos endógenos.
Como qualquer outra actividade económica, a produção de leite depende da respectiva remuneração – isto é, do preço – mas, acima de tudo, da rentabilidade da actividade. No cenário que nos é apresentado e retirando situações conjunturais pontuais, os sinais apontam para uma considerável pressão descendente sobre os preços, pelo que é ao nível da estrutura de custos e da forma como as explorações serão geridas (e apoiadas, financeira e tecnicamente) que muito do seu futuro se jogará.
Por tudo isto, é realmente fundamental uma concentração de meios e vontades que permita ultrapassar este enorme desafio do combate ao abandono produtivo, mas convém igualmente não esquecer que uma produção que se quer viável, sustentável e competitiva, não pode dispensar uma indústria transformadora moderna, eficaz, inovadora e concorrencial.
O tecido industrial nacional realizou nos últimos anos um enorme esforço de modernização, sendo que as principais unidades de transformação do país, que asseguram uma elevada parcela do processamento do leite nacional, foram construídas de raiz ou objecto de fortes investimentos apostando na automatização, na qualidade, na segurança alimentar. Há, não obstante, ainda um conjunto de unidades de menor dimensão, mas apesar disso bastante importantes a uma escala local/regional, cuja viabilidade no médio/longo prazo depende de novos investimentos em instalações e equipamentos.
Porém, para a maioria das unidades e empresas eventuais apoios seriam especialmente bem vindos na resolução de problemas complexos e transversais como o do tratamento e valorização do lactossoro ou se orientados para a área dos chamados ‘factores dinâmicos de produtividade’: marketing, gestão, inovação, logística…
A estrutura do ProDeR parece, numa primeira leitura, contemplar apoios para aquelas áreas, desindexando-os e bem da realização de investimentos corpóreos. No entanto, a polémica e sempre contestada decisão de afastar a fileira do leite do leque de sectores considerados prioritários vem colocar duas questões básicas: a das irrisórias taxas de co-financiamento a fundo perdido e a das dotações efectivas para esses apoios, disponíveis face aos meios financeiros canalizados para aqueles sectores prioritários (para além do autêntico sorvedouro de recursos em que se transformou o projecto da Barragem do Alqueva)…
É, assim, muito importante perceber de que forma pensa o Ministério da Agricultura desenhar e implementar o tão mediatizado Plano de Apoio ao sector, anunciado com grande alarido na sequência do Conselho de 20 de Novembro, mas que logo de seguida caiu num manto de silêncio que se prolonga há quase dois meses.
Seria igualmente importante que a tutela (e restante Administração) compreendesse que poderá fazer outras acções com efectivo impacto na vida e na competitividade do sector, sem que as mesmas tenham que, obrigatoriamente, implicar o dispêndio significativo de meios financeiros.
Dois ou três exemplos: adoptar uma ‘atitude Simplex’ que aposte na abolição de diversos abortos legislativos de que um bom exemplo é o relativo ao Livrete Individual de Registo de Tempos de Condução, rever o emaranhado legislativo e adoptar mais bom senso na aplicação de regulamentações comunitárias como a relativa aos Subprodutos de Origem Animal ou, finalmente, agilizar e operacionalizar a aplicação da legislação em matéria de concorrência que regula as Relações entre Fornecedores e a Moderna Distribuição.
É já enjoativo repetir a afirmação de que a ANIL está totalmente disponível para trocar posições, sugerir e colaborar na elaboração do Plano de Apoio ao sector bem como em quaisquer outras matérias relacionadas com o sector do leite, mas a verdade é que assim é, como verdade é também que, nos últimos quatro anos, a generalidade das nossas ofertas de colaboração não encontraram mais do que um muro de silêncio por parte da tutela.
Porto, 31.12.2008
Pedro Pimentel
Secretário Geral
ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios
Uma Viagem, Quatro Escalas: Bruxelas, Paris, Lisboa e Ponta Delgada – Pedro Pimentel