Onde está a grande vitória? – Pedro Pimentel

Como é fácil perceber tenho vindo a acompanhar com a máxima atenção as amplas discussões relativas à crise no sector do leite que decorrem nas diferentes instâncias comunitárias.

Este é um período complexo, de inúmeras solicitações e exigências, mas ainda assim e em relação às últimas propostas apresentadas pela Comissão e que serão proximamente levadas a Conselho para aprovação, gostaria de deixar os seguintes breves comentários:

1. Aumento das ajudas de minimis: embora manifestando acordo de princípio, recordo que o novo valor é apenas o limite que cada Estado-membro pode atribuir aos seus produtores/agricultores sem necessidade de prévia notificação a Bruxelas. Lembro as permanentes dificuldades de mobilização de meios financeiros para a agricultura em Portugal e a forma displicente como o MADRP está a gerir a possibilidade de antecipação, a partir de 16 de Outubro, do pagamento de 70% das ajudas do RPU de 2009 (veja-se o exemplo espanhol, em que essas ajudas entraram em pagamento logo na passada 2ª feira), pelo que temo que este seja apenas mais um foco de distorção e de penalização dos nossos produtores face aos seus colegas de outros Estados-membro.

2. Alteração do artigo 186º: também aqui manifesto o meu acordo de princípio. Porém, considerando a actuação da Comissão Europeia relativamente ao sector nos últimos anos, temo também que este seja um “cheque em branco” que vá penalizar ainda mais toda a fileira, seja a nível nacional, seja à escala comunitária. Só com uma fiscalização atenta e eficaz do Conselho e do Parlamento Europeu esta alteração pode ter efeitos práticos e positivos no sector.

3. Alteração à gestão do sistema de quotas: a alteração proposta é altamente penalizante para o sector em Portugal e é, simultaneamente, hipócrita e reveladora do posicionamento da Comissão sobre este dossier.

Esta proposta infere que os causadores dos excedentes presentes no mercado são os países que actualmente são subutilizadores de quota. Ao pretender penalizar os produtores sobreutilizadores nesses países (não se verificando qualquer proposta nesse sentido para igual grupo de produtores dos países excedentários) a Comissão pretende apenas e só comprimir ainda mais a produção desses Estados-membro para encontrar espaço de mercado para as produções dos países excedentários.

Porque é que não foi apresentada nenhuma proposta no sentido de multar mais fortemente as ultrapassagens de quota desses países? Que propostas foram apresentadas para que holandeses e dinamarqueses, por exemplo, colaborassem no esforço de contenção da oferta e de regulação do mercado?

4. Ajuda extraordinária de 280 milhões de euros: Depois das primeiras declarações públicas referirem um valor de 600 milhões de euros e mais tarde de 500 milhões, a célebre reunião de Viena diminuiu a fasquia do montante global das ajudas de emergência para o sector para 300 milhões de euros.

A comissária Fischer Böel fez questão de mostrar o seu desagrado relativamente a esta proposta com a correcção do valor para 280 milhões de euros.

A posição do Sr. Ministro da Agricultura nesta matéria atingiu as raias do caricato começando por referir que o valor do envelope português se destinaria à reestruturação do sector (em complemento dos 30 milhões do concurso lançado há meses), enquanto, no final do Conselho, já afirmava que “distribuir o dinheiro directamente [distribuído por litro de leite] é a maneira mais fácil e mais rápida de dar apoio aos agricultores”.

O próprio valor do envelope foi oscilando ao longo do período em que decorreu o Conselho, de entre 6 a 7 milhões até aos quase cinco avançados no final da reunião.

De qualquer forma, considerando os critérios avançados – Quota ou Entregas – o valor do envelope nacional, não excederá os 3,9 milhões de euros, ou seja, utilizando os valores divulgados pela UE relativamente à campanha leiteira de 2008/2009, temos:

Entregas: 1 899 900 ton (PT): 137 605 411 ton(UE) = 1,381% x 280M€ = 3,860 M€
Quota: 1 979 091 ton (PT): 142.986.836 ton(UE) = 1,384% x 280M€ = 3,875 M€

A ser assim, o valor da ajuda fica-se não pelos 0,3 cêntimos por quilo avançados, mas pior, pelos 0,2 cêntimos por Kg de leite entregue (considerando uma vez mais, a produção da última campanha).

Isto significa que um produtor médio, com uma quota de, por exemplo, 300.000 Kg receberá uma ajuda de 600 €.

Será que as dificuldades financeiras e a crise do sector serão ultrapassadas com uma ajuda de 600 euros a cada produtor?

Considerando que cada exploração leiteira representa, no mínimo, um posto de trabalho, seria imaginável o nosso Ministro da Economia ou do Trabalho, numa situação de forte crise no sector automóvel ou têxtil, por exemplo anunciarem como grande vitória que iriam atribuir um apoio de 600 euros para cada posto de trabalho? Certamente que não.

Pedro Pimentel
Secretário Geral
ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios

Essa é a minha natureza!!… – Pedro Pimentel


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