Apoio da Sociedade Civil versus Compromisso Político: Um contributo para o Debate sobre a PAC pós-2013 – Jaime Piçarra

Ninguém terá muitas dúvidas de que a PAC pós-2013 vai ser o principal dossier em discussão este ano. Nos bastidores há muito que o debate começou, sendo certo que é agora, antes de surgirem os primeiros documentos da Comissão, que existe a capacidade de influenciar as orientações de uma reforma que vai ser essencial para o nosso futuro colectivo. Sobretudo quando está previsto para 12 de Abril o lançamento do debate público como é pretendido pelo Comissário Ciolos, supostamente para legitimar as decisões, o que significa contar com o apoio da Sociedade Civil.

Esta temática começou a ser discutida em Annecy, durante a presidência francesa, no segundo semestre de 2008, prolongou-se de certo modo durante o mandato da República Checa e foi claramente ignorada na presidência sueca, o que se compreende porque a crise do leite e as divergências de países importantes como a França ou a Alemanha face às medidas preconizadas pela Comissária Fisher-Böel, retiraram espaço e margem de manobra de discussão para outro tipo de debates, até porque a própria Comissão estava em fim de mandato. Apesar destes acontecimentos, ainda houve tempo para algumas incursões em matéria de revisão da política agrícola. Em 2009, um “draft” da Comissão analisa o futuro do orçamento comunitário e parece deixar claro que a política agrícola é despesista e que tem de ser fortemente contida, pondo em causa a existência da PAC. O tom da reflexão era tão liberal que a própria DG AGRI se sentiu na “obrigação” de publicar um documento, em Dezembro, onde justifica a existência de uma Política Agrícola Comum.

Para além destes factos, existem alguns sinais perturbadores que não deixam de marcar as próprias contradições da União Europeia. Em primeiro lugar, é no mínimo estranho que, quer na tomada de posse do novo executivo de Bruxelas, quer na apresentação da Estratégia 2020, não tenham existido referências claras sobre a Política Agrícola Comum – a única política europeia verdadeiramente comum e que absorve, como se sabe, cerca de 40% do orçamento comunitário – nem sobre o papel da Agricultura e da Agro-Indústria no combate às alterações climáticas, à preservação do ambiente, à contenção do desemprego ou a sua importância decisiva na Sustentabilidade. Em segundo lugar, o Comissário do Ambiente parece ter-se apropriado do debate ao tecer considerações sobre a PAC pós-2013, enquanto o Comissário responsável pela agricultura se remete ao silêncio, com uma postura bastante cuidadosa. Em terceiro lugar, as conclusões da Cimeira de 25 e 26 de Março onde se discutiu o plano de ajuda à Grécia podem indiciar uma tendência para eventuais restrições orçamentais e uma postura mais individualista e menos solidária da parte de alguns Estados-membros.

Existem no entanto algumas notas positivas. Depois de muito criticado pelas ausências de referências ao sector agrícola, o Presidente Barroso produziu algumas declarações sobre a importância da agricultura e da PAC. Numa entrevista recente a um jornal francês declarou que “…temos uma economia rural próspera e ela não pode existir sem agricultores nem mecanismos de apoio” sublinhando ainda que “…mantendo-nos no quadro das regras do comércio internacional, a reforma deve orientar a PAC para o apoio dos produtores enquanto tal, mais do que para os subsídios.”. Por outro lado, nas conclusões do Conselho Europeu de 25 e 26 de Março a agricultura foi incluída como um sector estratégico para o crescimento da Europa e do emprego, em particular no meio rural. O Presidente francês, depois de ter manifestado a sua disponibilidade para renegociar o orçamento da PAC, vem agora afirmar, perdidas as eleições regionais, que prefere abrir uma crise na Europa do que aceitar o desmantelamento da Política Agrícola Comum, reconhecendo a importância da agricultura nas questões da auto-suficiência alimentar, no emprego e no crescimento económico.

Parecem existir até agora duas correntes essenciais, com ramificações em diversos meios comunitários, nos Estados-membros e no Parlamento Europeu: uma mais ambientalista, apostada numa política agrícola e ambiental comum, uma PAEC, para usarmos a sigla francesa (E de environnement) e uma outra que privilegia a vertente alimentar – uma política agrícola e alimentar comum (PAAC) -, naturalmente sem descurar as questões ambientais que em nossa opinião, com maior ou menor ênfase, vão constituir um elemento central na abordagem da PAC pós-2013. E é precisamente neste aspecto que se vai jogar a legitimação pela Sociedade.

Nos últimos anos, por diferentes razões, não soubemos explicar à opinião pública os subsídios à agricultura, designadamente as ajudas directas. Quando o “cheque” ganhou visibilidade, o sector foi acusado de “pedir subsídios por tudo e por nada” e “receber para não produzir”. Nunca se conseguiu passar para a Sociedade a verdadeira motivação das ajudas directas: que a Europa não é competitiva no mercado mundial e que os preços europeus – mais elevados – foram alinhados aos preços mundiais (bastante mais baixos) e os agricultores receberam uma ajuda (legítima) como compensação da respectiva perda de rendimento. Para além dos aspectos ligados à multifuncionalidade e do desenvolvimento do Mundo Rural.

Por outro lado, as questões da PAC foram sempre centralizadas na DG AGRI e pouco abertas ao exterior. Ainda há pouco tempo um colega que passou pela REPER me referia as dificuldades que tinha em explicar os temas agrícolas ao Embaixador porque eram muitos regulamentos, muita especificidade. Igualmente, por experiência própria, sei que não é fácil falar da PAC aos políticos e aos que estão fora deste circuito porque é preciso ter passado por esta área, conhecer uma ampla legislação – muitas vezes contraditória -, ter vivido toda a evolução da Política Agrícola desde a nossa integração para compreender toda a realidade. Conjugada com o facto da opinião pública, cada vez mais urbana, se preocupar apenas com os produtos que chegam às prateleiras dos supermercados.

Estas são provavelmente algumas das razões que justificam o facto da agricultura ter sido praticamente votada ao abandono pelo discurso político. Reflexo igualmente da diminuição do peso do sector e da sua importância em termos de votos.

Saúda-se por isso, em nossa opinião, o debate público que se anuncia e que naturalmente vai obrigar a novos olhares sobre o Sector, numa perspectiva pluridisciplinar. É igualmente uma oportunidade para se ter em conta as lições da crise alimentar de 2008, a enorme volatilidade dos preços, os problemas da segurança alimentar enquanto disponibilidade em alimentos, o acesso da União Europeia a um mercado mundial em crescimento, a estabilidade dos mercados e dos rendimentos agrícolas, a inovação e a investigação, a par do papel da agricultura no combate às alterações climáticas, a gestão dos recursos naturais, a preservação da paisagem, o ordenamento do território e o desenvolvimento equilibrado do Mundo Rural. Conjugar a sustentabilidade em todas as suas dimensões: ambiental, económica e social. Acreditar que é possível preparar o sector para responder aos desafios do desemprego urbano, que pode funcionar como uma “almofada” ou válvula de escape para o regresso ao campo, onde ainda tem de valer a pena viver.

Incluo-me no grupo daqueles que pensam que a PAC actual já contem uma suficiente orientação para o mercado, que devem ser mantidos instrumentos de gestão dos mercados, redes de segurança para os sectores mais importantes e mecanismos de apoio em caso de crises graves, bem como apoios à estabilidade dos rendimentos dos produtores.

No entanto, nos últimos tempos tem vindo a ganhar forma a questão dos “public goods”, ou seja, a prestação de serviços à Sociedade. É evidente que estes serviços têm de ser definidos e provavelmente, já que a União Europeia não tem conseguido impor aos países terceiros o cumprimento das mesmas regras de produção que exige aos congéneres europeus, então que esses serviços públicos possam incluir os aspectos ligados à segurança alimentar, ambiente e bem-estar animal, compensando os produtores agrícolas e pecuários pelos sobrecustos decorrentes dessas exigências, em nome da saúde pública e da protecção dos consumidores.

Uma vez que as principais discussões se vão centrar ao nível das ajudas directas, parte destas ajudas poderiam ser convertidas em serviços prestados à Sociedade. Legitimadas pela opinião pública. Importante é que se não percam as ajudas que têm sido transferidas para Portugal e que se inverta a tendência de sermos um dos Estados-membros que menos apoio recebe.

Uma maior equidade na repartição das ajudas é fundamental para a melhoria da competitividade da nossa agricultura e pecuária. Devemos recusar quaisquer tentativas de renacionalização das ajudas, sob pena de criarmos distorções de mercado entre agricultores, agriculturas e Estados-membros.

De acordo com uma sondagem recentemente publicada pelo Eurobarómetro, os europeus apoiam amplamente as novas orientações da política agrícola da União Europeia e são maioritariamente a favor da manutenção do seu orçamento. Tal indicia que a opinião pública, nacional e europeia, pode estar actualmente mais receptiva a este debate.

Nesta perspectiva, a discussão pública que se aproxima sobre o futuro da PAC pós-2013 é uma oportunidade única para nos mobilizarmos e debatermos com rigor, sem ambiguidades, o que se pretende da política agrícola e convencer os cidadãos e os políticos da importância da agricultura no plano da auto-suficiência alimentar mas também na protecção e preservação do ambiente e das paisagens rurais, nos inúmeros serviços e actividades de lazer que podem ser prestados e que não terão qualquer viabilidade sem agricultores e actividades agro-alimentares.

Trata-se provavelmente da última oportunidade para reafirmar a Agricultura como Sector Estratégico e recolocá-lo no centro da agenda política.

Não podemos deixar que o debate seja contaminado e desvirtuado por questões secundárias ou visões fundamentalistas. Essa deve ser desde já a nossa principal ambição.

Jaime Piçarra
Engº Agrónomo, Secretário-Geral da IACA

Ventos de Mudança – Jaime Piçarra


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