O Confronto da Realidade – Pedro Pimentel

A publicação, no início de Janeiro, do relatório preliminar do estudo desenvolvido pela Autoridade da Concorrência, relativo às Relações Comerciais entre a Grande Distribuição Agro-Alimentar e os seus Fornecedores Documento em formato PDF (2,63MB) não trás ainda todas as peças do intrincado puzzle em que aquelas relações comerciais se convertem – não esqueçamos o carácter ‘preliminar’ desse documento – mas teve pelo menos o condão de trazer para a praça pública e pelo punho de uma entidade que tem uma reputação de isenção e independência, denúncias que até há bem pouco tempo pareciam verdades limitadas ao “eu sei, mas tenho receio de o dizer…”.

Obviamente, um relatório deste tipo tende a apresentar o maior volume possível de matéria factual, até para, de alguma forma, defender a posição de quem elabora estes trabalhos. E essa matéria de facto mostra já, mesmo com diversas lacunas, que uma leitura mais atenta ao documento ressaltam, o ‘polvo’ que se foi progressivamente instalando no relacionamento entre as grandes cadeias de distribuição instaladas em Portugal e os seus fornecedores, independentemente da sua natureza, dimensão ou dos produtos que coloquem no mercado.

Actualmente, não há produtos ‘protegidos’ nem empresas ‘acarinhadas’ e a salvo da rapacidade dos operadores da dita moderna distribuição.

Em abono da verdade, deve referir-se que as dificuldades derivadas do diferencial do poder de negociação entre as partes e do que daí resulta, em termos práticos, ao nível do estabelecimento das relações contratuais e, pior do que isso, de todas as arbitrariedades introduzidas no momento das negociações ou das permanentes obrigações extra-contratuais, não são um exclusivo do mercado ou dos operadores portugueses.

Basta estar atento à comunicação social por toda a Europa comunitária e verificar que, passam-se as fronteiras, mas as queixas, com mais ou menos especificidades, repetem-se de país para país e, em momentos como os da crise de preços que atravessam vários sectores agro-alimentares (com a fileira do leite no lugar mais destacado), multiplicam-se as reacções daqueles que são, infelizmente, dos mais seriamente afectados – os produtores – contra aqueles que sentem e sabem ter fortes responsabilidade na situação.

As empresas fornecedoras, apesar de possuírem um capital de queixa, no mínimo tão evidente como o dos produtores (agravado pelo facto de desses constrangimentos na comercialização resultar uma dificuldade acrescida no relacionamento a montante, ou seja, com aqueles mesmos produtores), têm, por receio evidente de consequências ao nível da venda dos seus produtos, uma forte dificuldade em denunciar os abusos que sofrem. E, nunca é de mais lembrar, nenhuma empresa sobrevive se não vender os seus produtos.

Leia-se o ponto 5.2 daquele relatório, intitulado Práticas consideradas lesivas pelos fornecedores, e verifique-se o leque de queixas apresentado pelo conjunto limitado de empresas inquiridas nesta fase do trabalho da AdC (as quais, não se esqueça, são na generalidade dos casos, as empresas da maior dimensão dos respectivos sectores de actividade). São cinquenta e um (!!) pontos consecutivos, alguns deles apresentando várias denúncias sob um único ‘chapéu’, o que demonstra bem o efeito penalizador que estas práticas têm no tecido industrial e ao longo de todos os elos da cadeia produtiva.

Dos contactos mantidos com os responsáveis pela elaboração deste Estudo foi evidente a dificuldade em apreender a verdadeira dimensão da ‘camisa de sete varas’ que as pressões negociais, mais ou menos legítimas, introduzem no sector produtivo.

Perceber a importância dos instrumentos de política, nacional e comunitária no funcionamento dos mercados, a importância da correcta definição de conceitos como os de mercado relevante ou a influência do fenómeno das MDD no actual desenvolvimento da comercialização dos produtos, são fundamentais para a qualidade deste Relatório.

A forma como este trabalho está a ser desenvolvido tem, atrás e si, factores de entropia, alguns de natureza marcadamente política. As pressões para que rapidamente sejam conhecidos os resultados deste trabalho são mais que muitas e provenientes dos mais diferentes quadrantes e certamente todos nós gostaríamos que daí fossem retiradas ilações que resultassem numa melhoria, em termos efectivos, do relacionamento entre fornecedores e distribuidores. Mas como diz o povo e com razão, a pressa é inimiga da perfeição… Dê-se, pois, tempo ao tempo…

Pedro Pimentel
Secretário Geral
ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios

Um prémio à incompetência! – Pedro Pimentel


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