Agricultura e despovoamento nos Açores – António Ventura

Algumas Ilhas dos Açores estão a ficar despovoadas. Esta é uma verdade que foi comprovada pelos últimos dados demográficos. Este registo revela um preocupante e acentuado abandono e envelhecimento humano no território regional. O drama é, sobretudo, evidente em cinco Ilhas dos Açores onde o risco de uma nova emigração é muito elevado.

A coesão territorial nestas ilhas está em acelerado processo de degradação. Há mais idosos, menos jovens e menos crianças a nascer.

A realidade é simples, as populações estão envelhecidas e as novas gerações deslocam-se em direcção a um novo centralismo (São Miguel), onde existem maiores possibilidades de empregos, melhores confortos sociais, onde a segurança na saúde e na educação está mais próxima, portanto, no sentido contrário do seu local de origem ficando mais afastados das suas raízes.

Compreenda-se que o isolamento e a distância, numa condição arquipelágica ganha uma dimensão e definição muito próprias. Uma saída humana de cariz quase irreversível.

São Ilhas que ficaram cativas das políticas seguidas (um conjunto de intervenções públicas onde durante 15 anos os governos executaram mais de 25 mil milhões de euros, isto é, mais de 100 mil euros por cada açoriano) não conseguindo, assim, fixar os jovens nem conseguiram promover “negócios”, principalmente novos negócios na área agrícola.

Não tenho dúvidas que um dos modos de contrariar esta tendência é através de um reconhecimento público do papel da agricultura. Cada vez mais a agricultura apresenta uma multifuncionalidade essencial ao progresso do Arquipélago. Refiro-me à produção de alimentos, à segurança alimentar, à preservação ambiental, ao ordenamento do território e à fixação de pessoas. Bens ambientais e sociais.

Considero, todavia, que o actual POSEI pode também contribuir para minorar este desaparecimento humano, através de nova filosofia de acção, desde logo, no âmbito da atractividade destes territórios para jovens, numa interacção dos vários actores locais do meio rural e valorizando energias alimentares de produção local para a bovinicultura.

Em todas as Ilhas, a produção de 1 litro de leite ou de 1 quilo de carne tem um efeito multiplicativo na economia local.

É, assim, tempo de falar-se, nos Açores, em agricultura na vertente da fixação de pessoas e, repare-se, que em sete Ilhas toda a população tem um contacto directo ou indirecto com esta actividade. Ou seja, esta actividade aporta um importante complemento de rendimento para o orçamento das famílias, pois aumenta o número de explorações agrícolas a tempo parcial.

Interessa, pois, valorizar urgentemente este complemento. Um potencial latente à espera de acções.

Neste entendimento, já várias vezes defendi que nos Açores não podem persistir receitas globais, porque as Ilhas estão crescentemente mais desiguais.

É preciso um plano por Ilha de modo a reconhecer as dificuldades mas, em simultâneo, as potencialidades. Naturalmente, junte-se, a esta equação e de forma determinante, a existência de um sistema de transportes que sirva todas as Ilhas e uma hábil e concertante capacidade de promoção.

Embora não existam soluções ideais, acredito que é pelo reconhecimento e valorização da agricultura que os Açores se podem afirmar e sair da crise. Produzir alimentos de forma diversificada, segura e sustentável, para exportação e consumo local afigura-se como uma grande vantagem.

Aliás, um sistema de transportes que permita o surgimento de um “mercado interno”, no âmbito das produções alimentares de proximidade, principalmente de produtos frescos. È uma vantagem esta proximidade em termo de saúde e de consumo de energia.

A Região tem de voltar a recuperar as suas características rurais e isto não representa nenhum arcaísmo, mas sim um trunfo na competitividade, sustentabilidade e diferenciação, para além de constituir um importante passaporte de relacionamento com o mundo.

António Ventura (*)
Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e Produtor Agrícola

(*) António Ventura é formado em Eng. Zootécnica, com Mestrado em Tecnologia Industrial, foi Presidente da Associação Agrícola da Ilha Terceira e Presidente da Federação Agrícola dos Açores (por inerência do cargo fez parte da Direcção da CAP). Na presente legislatura foi eleito Deputado pelo PSD da ilha Terceira.

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