Os países mais pobres do mundo, onde se passa fome “a sério”, são aqueles que vivem ou viveram recentemente em guerra civil. Portugal não está entre os mais pobres do mundo, mas é um dos mais pobres da Europa ocidental, está em recessão e tem um défice agro-alimentar na ordem dos 3000 milhões de euros. Portugal precisa aumentar exportações e substituir importações por produção nacional, mas as principais cadeias de hipermercados, que gastam rios de tinta a publicitar a defesa da “produção nacional” são os principais importadores.
Portugal não vive em guerra civil nem se prevê que a contestação às medidas de austeridade chegue a esse ponto, mas quem acompanhar as declarações dos representantes da agricultura, da agro-indústria e da distribuição percebe que se vive um clima de guerra fria há longos anos, de que os produtores são as principais vítimas.
O Senhor Presidente da República merece o nosso apreço e reconhecimento pela atenção que dedicou recentemente à agricultura e pelos apelos ao consumo de produtos nacionais. É importante que essa mensagem seja mantida e partilhada pelos restantes órgãos de soberania e agentes políticos, mas esses apelos ao consumo serão inúteis se não houver também uma abordagem directa à distribuição que pela disponibilidade, preço, visibilidade e outras variáveis condiciona a escolha dos produtos consumidos.
Do poder político, em particular do Governo (não apenas do Ministério da Agricultura mas também da Economia) precisamos mais do que apelos à pacificação das partes. Precisamos que assuma o papel de árbitro com advertências e sanções, cumprindo as funções que lhe são atribuídas no artigo 81, alínea f) da Constituição da República Portuguesa: “Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”.
Da distribuição, que, conforme lhe convém, tanto se lamenta pela ausência de concentração da produção como se queixa do excesso de concentração, precisamos que seja capaz de olhar mais longe que o lucro imediato e o controlo dos fornecedores, porque o seu próprio futuro depende do futuro do país: Ao comprar em Portugal a preços sustentáveis para indústria e produção, estará a injectar valor na economia que acabará disponível nos consumidores que poderão fazer mais compras…
Equilibrar as forças em confronto é também uma via para a solução do conflito. Havendo claramente uma desvantagem dos fornecedores e um prejuízo acentuado nos produtores, haverá mais força negocial se houver mais partilha de esforços e resultados entre indústria e produção.
De que vale apelar à instalação de jovens agricultores se o preço do leite, carne, hortícolas, fruta ou vinho não cobrir os custos de produção? De que serve apoiar a concentração da produção se o rendimento não chegar aos produtores? Precisamos de uma repartição mais justa de margens entre produção, indústria e distribuição. Sem justiça não há paz. Sem paz não haverá desenvolvimento da agricultura e de Portugal.
Carlos Neves
Presidente da APROLEP E AJADP