É de certo modo compreensível que, por vezes, seja publicada legislação inadequada, podendo até não ser exequível por parte daqueles a quem se destina. Mas, uma vez detectada a deficiência, cumpre corrigi-la com brevidade, começando por ouvir a opinião de todos os intervenientes, especialmente aqueles que detêm competência na matéria.
Ora, no que respeita à legislação atinente ao REAP (Regime de Exercício da Actividade Pecuária) e, nomeadamente, no que à Portaria nº 631/2009 de 9 de Junho diz respeito, emergem do Plano de Gestão de Efluentes Pecuários (PGEP) diversas dificuldades para os operadores.
A problemática em causa é conhecida dos governantes directamente responsáveis pela matéria, tendo mesmo sido nomeados dois grupos de trabalho em 2010, a fim de se ocuparem do aperfeiçoamento dos diplomas legais em causa.
Acontece, porém, que ainda não se conhece qualquer decisão tomada pelos aludidos grupos de trabalho. E, no entretanto, perante as dificuldades que todos sentem na aplicação do legalmente estipulado, a generalidade dos processos de licenciamento no âmbito do REAP está em “banho-maria”.
Numa conjuntura em que Portugal se encontra em sufoco, reclamando investimentos, nomeadamente para se diminuir o desemprego e aumentar as exportações ou substituir as importações, o sector pecuário nacional defronta-se com uma legislação inexequível, que seguramente não motiva qualquer investidor, sendo mais certo que venha a desincentivar muitos dos que ainda se dedicam à produção animal em Portugal.
Se actualmente produzimos apenas cerca de um quarto dos alimentos que consumimos, sendo que a balança comercial agrícola regista um défice da ordem de 3,5 mil milhões de euros por ano, estou certo que a não resolução dos problemas, decorrentes da citada Portaria nº 631/2009, conduzirá a um agravamento acentuado do desequilíbrio da nossa balança comercial. A razão é simples: as explorações pecuárias de maior dimensão (também as mais competitivas e que vão sobrevivendo), estão sujeitas a maiores exigências legais e de dificílima aplicabilidade, pelo que serão as primeiras a encerrar. Restarão as menos competitivas, que por esta outra razão tenderão também a encerrar.
Muito sucintamente, aponto em seguida duas dificuldades maiores com que se defrontam as explorações pecuárias. Caso estas produzam mais de 200 t de estrume ou 200 m3 de chorume por ano (situação comum nas explorações competitivas), terão de elaborar um plano (PGEP) onde se indique, antecipadamente, o destino (mencionando o número de parcelário) e condições de aplicação do efluente (culturas a praticar e doses de aplicação de efluente). De salientar que, na generalidade dos casos, os efluentes são utilizados por terceiros, não só dificilmente identificáveis antecipadamente, com também eles próprios não raro desconhecem as culturas a efectuar no futuro. Imagine-se a posição de uma unidade de compostagem, que comercialize um saco de composto numa grande superfície …
Outro problema levantado pela actual lei prende-se ao armazenamento dos estrumes e chorumes nas proximidades das instalações pecuárias, dado que aqueles constituem fontes de contaminação que põem em risco quer a saúde animal quer a saúde dos consumidores.
Importa pois rever e corrigir o REAP, conforme aliás está previsto no Decreto-Lei nº 214/2008, de 10 de Novembro.
Só assim será possível, na minha opinião, evitar o encerramento de numerosas explorações pecuárias e não agravar ainda mais o desemprego e a nossa dependência alimentar e financeira.
Manuel Chaveiro Soares
Federação Portuguesa das Associações Avícolas (FEPASA)
P. S. – É curioso anotar que, tanto os adubos químicos, como os fertilizantes orgânicos importados e idênticos aos produzidos em Portugal, não estão sujeitos às exigências ora impostas à utilização dos fertilizantes orgânicos de origem nacional. Quero acreditar que só por lapso as explorações pecuárias portuguesas foram discriminadas de forma tão negativa relativamente aos comerciantes de adubos minerais e de fertilizantes orgânicos importados.
Desafios da segurança alimentar para o sector avícola – Manuel Chaveiro Soares