A Agricultura em debate no Parlamento Europeu – Maria do Céu Patrão Neves

O primeiro semestre de 2011 foi particularmente importante para a agricultura nacional. Com efeito, a Comissão Europeia apresentou, no fim de 2010, três documentos absolutamente decisivos para a agricultura portuguesa, os quais foram intensamente debatidos nestes primeiros meses de 2011, no Parlamento Europeu. Refiro-me ao à PAC rumo a 2020 apresentado a 18 de Novembro, ao Programa POSEI, apresentado a 24 de Setembro; e ao Pacote do Leite, apresentado a 9 de Dezembro. Aliás, fiz questão de promover reuniões alargadas com o sector sobre estes três documentos para ouvir os principais interessados antes de se intensificar o debate no Parlamento Europeu, devendo-se aqui sublinhar que é a primeira vez, na história da União Europeia, que o Parlamento tem o poder de co-decisão com o Conselho em matéria de agricultura, o que reforça também o papel dos deputados neste debate.

1. A PAC rumo a 2020

O documento mais abrangente dos três é certamente o da PAC rumo a 2020, pelo que me refiro primeiramente a este. A Comunicação apresentada pela Comissão apresentava propostas favoráveis à agricultura portuguesa em geral, nomeadamente: a exigência de uma PAC forte e também do seu financiamento adequado, a aposta na simplificação e na flexibilização, e uma atenção particular às necessidades específicas das zonas desfavorecidas e dos pequenos agricultores (e ainda apoio a jovens agricultores e a novos agricultores, e promoção das vendas directas e dos mercados locais). Advogava também: uma clara distinção entre o 1 e o 2 Pilares; um novo modelo de distribuição das ajudas para uma maior equidade entre os Estados Membros, com pagamento base (flat rate) desligado, de forma a garantir que os agricultores em todos os Estados-Membros recebam uma parte mínima do nível médio dos pagamentos directos ao nível da EU (os pagamentos podem manter-se ligados só para alguns sectores); um esverdeamento também no 1 Pilar (e ainda medidas agro ambientais; medidas contra alterações climáticas; incentivos para quem ultrapassar as metas estabelecidas); um pagamento vinculado aos bens públicos ambientais; apoio a infra-estruturas, investimento, inovação, transferência de conhecimento.

O Relatório do Parlamento Europeu sobre esta Comunicação foi votado em sessão plenária no passado dia 23 de Junho e, não obstante alguns parágrafos menos claros sobre a relação entre os dois pilares para efeitos de cálculo dos fundos comunitários a atribuir a cada Estado-membro, segue a linha proposta pela Comissão. A mesma orientação deverá ser confirmada nas propostas legislativas que a Comissão apresentará no dia 5 de Outubro de 2011 e que virão a traduzir os princípios organizadores da nova PAC em medidas concretas de implementação efectiva.

2. O Pacote do Leite

Incido de seguida sobre o Pacote do Leite e neste contexto, a Comunicação da Comissão Europeia constitui um desapontamento para as necessidades do sector no horizonte do desmantelamento das quotas em 2015. Era urgente que a Comissão apresentasse alternativas credíveis de regulação do sector leiteiro que contemplasse toda a fileira, isto é, da produção à comercialização, o que não veio a acontecer.
Com efeito, e na sequência das conclusões do Grupo de Alto Nível/GAN divulgadas em Julho de 2010, a comunicação da Comissão centrou-se na proposta de contratos meramente voluntários e apenas entre a produção e a indústria, bem como na constituição e/ou reforço de organizações interprofissionais, deixando de fora o sector cooperativo por que a produção leiteira se organiza em Portugal. Brevemente, o Pacote do Leite não trouxe qualquer contributo efectivo para o sector no nosso país.

O Relatório do Parlamento Europeu, votado em Comissão da Agricultura no passado dia 27 de Junho, traz, neste contexto, algumas melhorias, sem todavia responder às necessidades do sector em Portugal, nomeadamente: a obrigatoriedade dos contratos com uma duração mínima de um ano, deixando liberdade aos Estados Membros para legislar nesta matéria; a possibilidade de inserir uma fórmula flexível de cálculo de preço e de inserir cláusulas específicas para os excedentes; uma justa distribuição dos lucros ao longo da cadeia de distribuição alimentar; os limites de 3.5%; 40% e 40% no contexto da concentração do sector; a obrigatoriedade para o primeiro comprador de declarar o volume e o preço médio; o prazo de um mínimo de 45 dias para a divulgação de informação sensível; regras de funcionamento para as organizações de produtores e Interprofissionais e regras específicas para leite e produtos lácteos com denominação de origem ou indicação geográfica e ainda a possibilidade de regiões com marcas de qualidade delimitadas decidirem as quantidades de produção.

A questão das quotas leiteiras, que se procurou introduzir quer no Relatório sobre a PAC, quer neste sobre o Pacote do Leite, enfrentou uma fortíssima oposição da parte da grande maioria dos deputados ao Parlamento e o texto que se lhes refere, em ambos os Relatórios, é bastante tímido para potencializar as hipóteses de ser aprovado, o que de facto veio a acontecer, tendo o mérito de manter o tema do leite na agenda política europeia.
A ausência de propostas efectivas de regulamentação do sector do leite associada à total rejeição do Parlamento Europeu de reapreciar a decisão de desmantelamento das quotas em 2015, torna a situação muito preocupante e exige, da parte dos dirigentes políticos e associativos, rápidas medidas regionais que preparem o sector para o período pós-quotas.

3. O Programa POSEI

Por fim refiro-me ao Programa Posei (medidas agrícolas para as regiões ultraperiféricas), no caso português, Açores e Madeira, o qual, apesar de ter sido o primeiro a ser apresentado pela Comissão Europeia, se mantém ainda em debate. O prazo para aceitação de propostas para este Relatório, por parte dos deputados, decorre até 11 de Julho e o Relatório do Parlamento Europeu deverá ser votado na Comissão da Agricultura a 19 de Setembro, desconhecendo-se ainda a data de votação do texto final em sessão plenária.
Em relação ao Programa Posei, mais até do que em qualquer outro programa, a questão fundamental é a do orçamento, o qual se integra no orçamento geral da PAC. Este último, segundo números apresentados na última semana de Junho, deverá sofrer uma diminuição real de cerca de 10%. Prevendo-se que o debate sobre o orçamento se venha ainda a prolongar, importa continuar a insistir no seu reforço para a agricultura em geral e para o programa Posei em particular como instrumento decisivo para a sustentabilidade e desenvolvimento da agricultura açoriana. Simultaneamente importa garantir uma maior flexibilidade na capacidade de gestão do programa, uma prorrogação dos prazos para apresentação de relatórios de avaliação e também das alterações tidas por convenientes, medidas compensatórias para o desmantelamento das quotas leiteiras, para eventuais consequências negativas da PAC reformada e para o impacto negativo dos acordos bilaterais e multilaterais, com particular realce para o da UE com o Mercosul.
Porém, não tenhamos ilusões: quase tudo depende do orçamento e se este não for reforçado, as alterações introduzidas ao programa não encontrarão qualquer eco positivo junto da Comissão Europeia.

Em síntese, o debate no Parlamento Europeu sobre temas com impacto decisivo na agricultura portuguesa foi intenso nos primeiros seis meses de 2011 e o conhecimento do debate e dos pressupostos das decisões tomadas indicam-nos já as orientações que se deverão futuramente definir. É este neste contexto que podemos e devemos preparar a nossa agricultura, antecipadamente, para o futuro que se vai traçando no presente.

M. Patrão Neves
Deputada ao Parlamento Europeu eleita nas listas do PSD

O impacto do Acordo União Europeia – Mercosul na Agricultura – Maria do Céu Patrão Neves


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