Quem aterrar hoje em Portugal, não pode deixar de sentir o estado de “depressão colectiva” em que o país vive. Palavras como falência e bancarrota andam na boca de adultos e crianças. As dificuldades económicas que sentimos e aquelas – piores – que antevemos, tocam tudo e todos.
Abdicando de adjectivar o percurso que nos conduziu ao momento actual, a verdade é que vivemos os últimos dois/três anos a resvalar da estagnação para a depressão, até que, depois do PEC I, do PEC 2 e do PEC 3, ao PEC 4 o país parece ter acordado definitivamente para a CRISE. Os últimos tempos, com a chegada da troika e com o fogo cruzado sobre os culpados da situação, mostram como estamos ainda longe, muito longe, de encontrar a luz ao fundo do túnel!
Aparentemente, os nossos políticos parecem não ter ainda tido tempo suficiente para perceber que, mesmo num país pequeno como o nosso, há milhões e milhões de vítimas da crise. De vítimas, que no seu dia-a-dia nada fizeram para que o desequilíbrio das contas públicas (públicas, repita-se) chegasse ao inferno actual. Muitos cumpriram pontual e religiosamente os seus compromissos fiscais, muitos pagaram do seu bolso despesas que poderiam ter evitado se recorressem aos serviços que o Estado, bem ou mal, disponibiliza, muitos perderam tempo e dinheiro a cumprir burocracias que um Estado eficiente teria evitado. No entanto, é a esses ‘muitos’ que se está a exigir, uma vez mais, que ‘paguem’ a crise, rebentando, de vez, com os últimos restos da sempre sacrificada classe média, que, nestes tempos de desvario, é tratada como se fosse composta por milionários!
Acima de tudo, aquilo que certamente muitos gostariam, era que esta crise fosse ultrapassada tão rapidamente quanto possível, que a solução encontrada fosse sustentada e duradoura e que o seu impacto não se prolongasse, como um cutelo, sobre as gerações futuras. Há que definitivamente terminar com o discurso do optimismo excessivo, do facilitismo e da preguiça, pois os resultados estão à vista e assemelham-se aos dos que fazem as chamadas dietas ió-ió: fica-se bem ao espelho durante uns meses, mas os maus hábitos conduzem inexoravelmente à situação anterior (ou quantas vezes, a uma situação pior).
Não existe uma varinha de condão ou um ‘grande truque’ que resolva a crise de uma vez e todos os que estiverem à procura dessa ‘grande solução’, poderão certamente esperar sentados. Resolver a crise passa por muitos pequenos gestos, pois, como diz o povo: “com migalhas se faz pão”…
O discurso público e o ‘politicamente correcto’ redescobriram recentemente que aquele desequilíbrio externo apenas poderá ser ultrapassado com o crescimento das exportações. Os apoios, ou pelos menos os anúncios de que esses apoios existirão, têm-se multiplicado. A exportação passou a ser encarada como um desígnio nacional.
Contudo, pouco ou nada tem sido feito – pelo menos em muitas áreas de actividade – no sentido de diminuir o volume e o valor das importações e, também por essa via, o objectivo de correcção daquele desequilíbrio poder ser alcançado.
Desde logo, a começar pelo próprio Estado, o qual, a exemplo do que o que na prática acontece na grande maioria dos nossos parceiros comunitários, deveria privilegiar de forma sistemática a aquisição de produtos e serviços portugueses, adquiri-los a empresas nacionais e mesmo não abdicando do cumprimento adequado das regras comunitárias, utilizar imaginação e bom senso para encaminhar os fornecimentos para as empresas do nosso país, gerando riqueza no pais, consolidando postos de trabalho nacionais.
Mas a influência do Estado pode também estender-se à esfera privada, quer pela via das próprias políticas públicas, quer através da sua acção política ou do que se convencionou denominar como magistratura de influência.
Na fileira do leite, ou, de forma mais alargada, no sector alimentar, tal como em muitos outros sectores de actividade, é preciso – definitivamente – convencer o consumidor português a preferir o produto nacional, a questionar a origem dos produtos, a recordar que apenas fazendo essa opção na compra poderá salvaguardar a geração de riqueza em território nacional, salvaguardar o emprego em Portugal, quiçá mesmo salvaguardar o seu posto de trabalho.
Cada pessoa saberá fazer as opções, ao nível de produtos e preços, que serão as mais convenientes face às suas necessidades e às suas disponibilidades financeiras, mas deverá também saber ir um pouco mais além e perceber que é a sua compra que alimenta um ciclo económico e que, caso a sua opção incida num produto externo, esse ciclo terminará fora do país, fora dos bolsos daqueles que, se fizerem escolhas iguais, poderão levar ao encerramento da minha loja, da minha fábrica, da minha exploração ou do meu escritório…
No entanto, tão ou mais importante do que convencer o consumidor a optar pelos produtos nacionais, é convencer no mesmo sentido aqueles que são realmente os nossos clientes e que disponibilizam os produtos ao consumidor.
No caso dos produtos ditos de grande consumo, e não apenas no quadro da crise actual, deveria ser politicamente (e também como acto de cidadania) exigido à moderna distribuição que optasse pelas produções nacionais, que facilitasse ao consumidor esse tipo de opção com uma melhor rotulagem dos seus produtos e uma melhor identificação de espaços dedicados à produção portuguesa nas suas lojas. Essa exigência poderia ser induzida pela via legal, mas seria muito mais interessante que a distribuição realizasse essa opção por razões económicas, sociais e éticas.
Fala-se muitas vezes em ‘ditadura do gosto’, mas, hoje, a essa soma-se a ‘ditadura da escolha’. O consumidor, por razões de economia, de conveniência e, mesmo, de algum comodismo, concentra as suas compras nos super e hipermercados das grandes cadeias e, obviamente, opta de entre os produtos que estão disponíveis nessas lojas. Assim, escolhemos nós, consumidores, aquilo que os operadores da distribuição escolheram antes de nós.
É por isso que devemos exigir, e que devemos exigir à classe política que o exija também, ter o direito de optar pelos nossos produtos, o direito de optar comprar produtos portugueses, o direito de optar comprar produtos de empresas nacionais, o direito de salvaguardar a nossa riqueza e os nossos postos de trabalho.
Pedro Pimentel
Presidente da Direcção da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL)
Pelo reforço da cadeia de valor na fileira do leite – Pedro Pimentel