Tal como na grande maioria das coisas que influenciam a agricultura, a globalização trouxe vantagens e desvantagens. Em relação à economia as grandes questões que se colocam são:
– Politicas praticadas em cada país – Na Europa temos as politicas mais proteccionistas que possivelmente existem no mundo, o que nos dá algumas garantias de preços e nos garante uma reserva estratégica alimentar mais ou menos estável. Mas, por outro lado, nos leva a produzir culturas pouco adaptadas ao nosso ambiente, nos levou durante muitos anos a produzir alguns produtos em quantidades exageradas, que não podem ser exportados a preços competitivos devido aos elevados custos de produção e mais grave que isso, levou a que em alguns países europeus a agricultura não se tornasse tão tecnológica como em outros países onde os agricultores são obrigados a ser competitivos porque as produções são a única fonte de rendimento dos agricultores. Isto torna-se um ciclo vicioso e causa competição desleal. Por exemplo: um agricultor dos Estados Unidos da América ou da Austrália quando põe as sementes à terra sabe que a sua única fonte de rendimento é a colheita que vai ter no final do ciclo produtivo, assim é obrigado a realizar todas as operações culturais de forma a rentabilizar ao máximo a cultura e é esse o estímulo para que ele faça apenas culturas rentáveis no seu ambiente e além disso tente tomar as decisões mais acertadas. Na Europa, com as políticas proteccionistas, é “mais fácil” ser agricultor, uma vez que há outras fontes de rendimento para além do valor dos produtos, o que chegou a ser levado ao extremo de haver agricultores que vivem quase exclusivamente dos apoios da União Europeia. Ora essa situação não só é má para os produtores do estrangeiro que produzem as mesmas culturas (porque é lhes complicado exportar para esses países) como é mau para a agricultura dos países onde isso se pratica (porque não são estimulados a rentabilizarem as culturas – já que a sua principal fonte de rendimento são os apoios e não os produtos); na minha opinião as grandes vantagens que este tipo de políticas acarreta são a garantia de uma reserva alimentar estratégica que reduz a dependência do estrangeiro, a garantia de preços mais ou menos estáveis e a preservação de algumas formas de produção típicas da Europa – o grande problema é que isto a longo prazo é insustentável e é essa a razão pela qual cada vez há menos apoios directos para os agricultores europeus.
– Diferenças geográficas entre os países – Na minha opinião foi um dos factores que mais influenciou as desigualdades agrícolas que hoje em dia existem devido à globalização. Antes da globalização cada país tentava produzir um pouco de todas as culturas essências para a alimentação, hoje com a globalização as coisas mudaram muito. Portugal é um exemplo disso, há 50 anos produzíamos cerca de 50% do que consumíamos, hoje apenas produzimos cerca de 20%. Isto deve-se a dois factores: importação de produtos a preços inferiores aos nacionais e à nossa limitação geográfica, já que somos um país de pequena dimensão, em que a maioria do território é floresta, com o qual é muito difícil duplicar ou triplicar as produções, como tem acontecido no Brasil recentemente. Outro factor muito importante que entra aqui é o clima, como é fácil de perceber, em agricultura, quanto mais estável for o clima mais fácil é fazer o planeamento das culturas, claro que isso reduz muito o risco e permite obter produtos a preços mais baixos. Aqui temos o exemplo do leite: um holandês, para além de ter condições térmicas óptimas para o bem-estar dos animais, tem um clima excepcional para o desenvolvimento de forragens, claro que isso lhe permite obter leite de vaca com custos de produção muito mais baixos que um produtor português, que tem de importar ração da América do Sul e além disso tem um clima com amplitudes térmicas anuais próximas ou superiores a 20 ºC (que não permite às vacas expressarem o seu máximo potencial genético) – Claro que o leite da Holanda é mais barato que o português, mas isso não quer dizer que eles trabalhem melhor que nós, é uma questão puramente geográfica. Com o mercado global um holandês pode exportar leite para todo o mundo e forçar os produtores dos países importadores desse leite a baixar o preço do seu leite, diminuindo assim a rentabilidade e forçando muitos deles a fecharem as portas da exploração.
– Novos mercados – A globalização traz a possibilidade de alguns países produzirem certos produtos em quantidades superiores às suas necessidades ou então produzirem produtos que não tem muita valorização no seu mercado nacional. Aqui temos vários exemplos: o Brasil estima-se que em 2050 alimente 40% do mundo, claro que isto são óptimas perspectivas para os agricultores brasileiros uma vez que tem muitas garantias de mercado. O caso dos vinhos, que inicialmente apenas se consumia quase exclusivamente na Europa e que hoje se consome quase no mundo inteiro, levou muitos produtores Europeus a obterem grandes rendimentos desta cultura. Mas depois temos o outro lado da moeda da globalização – atrás do vinho vão as videiras, e hoje há vinhas nos 4 cantos do mudo, em países onde os custos de produção são inferiores as nossos o que levou a surgirem os chamados “Países do Novo Mundo” que hoje estão a tirar o mercado ao vinhos Europeus e daí a recente crise na viticultura Europeia. O caso do Vinho do Porto e da Pêra Rocha, que são produtos que tem custos de produção idênticos aos restantes produtos com eles relacionados e que devido à sua grande procura no estrangeiro atingem preços muito superiores e abrem-se imensas portas nos 5 continentes.
– Afastamento do consumidor do produtor – Neste aspecto considero que há duas questões chave – o marketing e a qualidade. Se quero vender o meu produto tenho de fazer publicidade e assegurar qualidade – este aspecto é tanto mais importante quanto mais distante está o produtor do consumidor final. Temos o exemplo do presunto pata negra: há 30 ou 40 anos não era necessário ninguém fazer publicidade, nem assegurar qualidade porque o consumidor comprava o produto directamente ao produtor e desta forma sabia que aqueles presuntos vinham daqueles porcos, que se alimentavam das bolotas daquele montado e que eram curados daquela forma e, de acordo com isso, o consumidor sabia qual o valor daquele presunto. Hoje o consumidor quando compra o presunto não faz ideia em que condições foram criados os porcos, nem de que forma foram curados os presuntos, assim compra o presunto ao qual se faz mais publicidade e o que tem etiquetas que garantem determinados parâmetros de qualidade. Eu sou o produtor dos melhores presuntos do mundo, se não tiver uma empresa que confirme que esse produto é de qualidade e se não lhe fizer publicidade caio no mercado de há 30 ou 40 anos: apenas consigo vender às pessoas que conhecem o meu sistema de produção e a minha forma de transformação (que actualmente não é quase ninguém porque a grande maioria da população vive em cidades, local onde não há agricultura).
– Revendedores – A globalização criou outro mercado que é o da revenda. A Holanda é dos maiores exportadores de produtos agrícolas da Europa e do mundo. A estratégia dos holandeses é importar produtos de países onde esses produtos têm pouco valor comercial (China principalmente – produtos hortícolas) e voltar a exportar para países de grande poder económico que estão dispostos a pagar esses mesmos produtos a preços mais elevados que os praticados aquando da importação por parte da Holanda.
A globalização é um processo sem retrocesso, cada vez mais vivemos num mundo global e a cada dia se torna mais global. Em termos agrícolas há que definir estratégias que permitam lidar da melhor forma com este facto. Cada vez será mais difícil produzir culturas pouco adaptadas aos climas, porque com o avanço da tecnologia cada vez será mais rentável produzir essas mesmas culturas nos locais onde estão bem adaptadas ao clima. Assim na minha opinião há que definir quais são as necessidades produtivas que nos permitem assegurar uma reserva alimentar estratégica e direccionar a maioria dos apoios europeus para essas produções. Depois o resto dos apoios deve ser dirigidos para os sectores agrícolas de maior importância nacional e torna-los cada vez mais tecnológicos, mais eficientes, mais internacionais, de melhor qualidade e de maior escala nacional, para que desta forma, num futuro (que esperamos próximo) possam ser independentes de apoios e possam ter dimensão internacional suficiente para poderem compensar as perdas económicas que temos derivada da importação e da produção de culturas pouco adaptadas ao nosso clima e ao nosso mercado.
Sérgio Lavado
Aluno do mestrado em Eng. Agronómica do ISA/UTL
Comentário ao artigo “O mais e o menos do Portugal agrícola” de Manuel Carvalho – Sérgio Lavado