BANCO DE TERRAS: Que interesses se acoitam por detrás da cortina de fumo lançada sobre a opinião pública e os agricultores? – Alfredo Campos

Com a agudização da crise económica que ciclicamente se propaga pelos chamados países desenvolvidos e que assola Portugal, com dramáticas consequências para o tecido produtivo, os trabalhadores, a Agricultura Familiar e a generalidade da população, começámos a ser metralhados com uma barragem de propaganda dos “comentadores de serviço”, dos partidos do chamado “arco do poder”, do BE e do Governo, para quem, agora, só agora, haveria que ver a Agricultura como sector estratégico (e, acrescento desde já, para quê, para quem?).

O Banco de Terras, há dezenas de anos reclamado pela Agricultura Familiar, para dimensionar as explorações e melhorar os parcos rendimentos, depois de anos e anos a ser anunciado e nunca concretizado, foi agora, só agora, (re)descoberto pelo actual Governo e aqueles partidos.

Preparando o terreno para a aparição da Proposta de Lei do Governo, ainda em 2010, o BE (no papel de lebre) apresenta o Proj Lei 311/XI para criação do Banco de Terras e o CDS apresenta um Proj de Resolução para que o Governo promova a utilização sustentável dos solos rurais. Mais recentemente, em 3.Fev.2012, dão entrada na AR os Proj Lei 157/XII, do PS que “Estabelece o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária” (Banco de Terras incluído) e o Proj Lei 160/XII, do PSD, para a criação de uma “Bolsa de Terras para Arrendamento Rural”.

Mais ou menos expressamente, complementando-se, todos falam de “terras abandonadas”, da disponibilização de terras, de agravamento fiscal, de terras de domínio público, de domínio privado do Estado e das Autarquias, de arrendamentos e de vendas e também dos Baldios.

Quanto ao Governo, já na Proposta de Lei do OE/2011, Artº 144º, pretendia criar um Banco de Terras para a “dinamização do mercado da terra”, recorrendo mesmo a “arrendamento forçado” ou a “expropriação”.

Agora, o Governo, numa técnica já conhecida, “suavizou” as ameaças lançadas no OE e deixou que aparecessem primeiro aqueles projectos para, só depois, apresentar na AR a sua Proposta de Lei nº 52, aprovada no Conselho de Ministros de 29.Março.2012.

Proposta aparentemente menos gravosa mas que, ao enfatizar o “total e absoluto respeito pelo direito de propriedade privada”, a integração de terras “absolutamente voluntária”, o “procedimento que garanta transparência” ou a “igualdade de circunstâncias”, levanta as maiores desconfianças quanto às verdadeiras intenções do Governo.

Por outro lado, as referências às terras do Alqueva ou a preferência dada a “projecto (no singular) na área da investigação aplicada, incluindo melhoramento genético”, parecem talhadas para candidatos, ou “candidato” pré-definido, bastando que, para adjudicar terras do Estado, “o interessado descreve sumariamente a actividade que pretende desenvolver”.

Candidamente, para além das terras do Estado e das voluntariamente disponibilizadas pelos proprietários, numa abordagem, no mínimo pouco transparente, contrariando as juras que o texto repisa, a Proposta do Governo quer a “disponibilização de Baldios” (Artº 7º) e “cedência de Baldios” (Artº 12º), assim como a “Disponibilização de terras abandonadas” (Artº 8º) e “Cedência de terras abandonadas” (Artº 13º). Pouco transparente porque, apesar de dizer que o processo é feito no “respeito da lei”, omite que, quanto aos Baldios, se prepara para fazer aprovar uma nova lei (contra a opinião dos compartes que reclamam é que o Estado cumpra a actual Lei) e que os termos do reconhecimento das “terras abandonadas”, serão definidos em “lei própria”, a aprovar.

É uma Proposta de Lei, apresentada à Assembleia da República, tão pouco transparente que deixa o essencial da sua aplicação para 3 Leis, 2 Portarias e 1 Regulamento a aprovar pelo Governo que, fugindo assim ao debate, podem conduzir ao abocanhar de Baldios e terras privadas. Tudo justificado pelo sacro santo mercado, pela economia de escala, para projectos empresariais de sucesso (antes de existirem, o Governo já sabe que vão ter sucesso?), pela competitividade, pelas exportações, pelo equilíbrio da balança agro-florestal, mas em valor.

Dizendo que quer pôr em uso terras que considera abandonadas e querendo incluir os Baldios no Banco de Terras, como se fossem terras do Estado, inversamente, salvaguarda grandes propriedades sem uso e os seus grandes proprietários que vivem do RPU sem nada produzirem.

Nestes projectos e propostas e em declarações de governantes, é facilmente perceptível o enorme interesse pelas áreas florestais, chegando a fugir-lhes a boca para a verdade quando a própria Ministra numa declaração à comunicação social, falava da importância do Banco para a actividade “florestal e também agrícola”.

Daí o enorme apetite sobre os Baldios (em grande parte de vocação florestal) com o peso económico que têm, mas também para os tirar da gestão pelos compartes, pelo seu significado e importância como forma organizacional, social e económica, comunitária, gerida e com o uso fruto dos seus compartes, tal como a Constituição da República consagra.

Uma abordagem séria do grave problema da falta de uso da terra, mais que a constatação do não uso, exige a análise das razões políticas e económicas de haver terra sem produzir e distinguir aquelas cujos donos não as podem trabalhar ou não há rendeiros para as arrendar, das que tendo boas condições, os seus donos não as querem trabalhar e que na Justificação de Motivos da sua Proposta, o Governo salvaguarda.

As razões principais não estão nas características da maioria das explorações agrícolas e florestais, na sua estrutura, no nível da sua mecanização, nos conhecimentos, na vontade e na capacidade de trabalho dos Agricultores, da Agricultura Familiar.

As principais razões para a débil situação da agricultura e dos Agricultores, são de ordem política, das políticas nacionais servilmente submissas às políticas comunitárias, à PAC que só favorece a agricultura dos países mais ricos, a poderosa agro-indústria e a grande distribuição multinacionais, particularmente depois da Reforma da PAC de 1992, assinada com pompa, na Curia, pelo então Governo de Cavaco Silva, mas debaixo do firme protesto dos Agricultores que enfrentavam as cargas dum aparatoso dispositivo policial.

Foi a baixa política dos preços à produção, foram as Ajudas Comunitárias sempre mitigadas pelos sucessivos Governos, foi a distribuição das Ajudas a beneficiar grandes proprietários, foi o desligamento das Ajudas e tantas outras decisões políticas, dos Governos dos últimos 35 anos.

Está à vista de todos o resultado das políticas dos grandes negócios (ou negociatas), das políticas talhadas para apoiar a exportação de três ou quatro produtos de grandes empresas, das políticas que favorecem as grandes cadeias de distribuição.

Mais do que do Banco de Terras, num período, particularmente difícil para quem vive do seu trabalho, em que a banca nega crédito para investir, em que o Governo para além agravar a carga fiscal, de permitir uma escalada dos preços dos factores de produção, de cortar no PRODER e em tudo o que poderia contribuir para o relançamento da produção para (em primeiro lugar) alimentar a população com produtos nacionais, os que produzem, a Agricultura Familiar, os compartes dos Baldios, muitos empresários agrícolas, aqueles que diariamente são levados à ruína e à falência por insistirem em trabalhar a terra, o que precisam é de outras políticas da União Europeia e do Governo de Portugal.

O que Portugal e os agricultores e consumidores precisam é duma mudança de política que respeite os seus interesses e necessidades colectivos.

Alfredo Campos
Membro da Direcção Nacional da CNA

Produzir em Portugal, Para consumir em Portugal! – Alfredo Campos


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