No âmbito das jornadas técnicas promovidas pela FENAREG sob o tema Inovação no Regadio, realizadas nos dias 27 e 28 de Março, no litoral alentejano, foram tiradas diversas conclusões.
Actualmente o sector agrícola vive num contexto mundial de quase total liberalização comercial e de concorrência global, tornando-se imperioso inovar para poder competir. Mais do que nunca, há que ter em conta as necessidades do consumidor, produzindo de acordo com elevados padrões de segurança alimentar, atendendo aos condicionalismos ambientais e de acordo com padrões sociais exigentes. O desafio é gigantesco, se atendermos que em inúmeros países emergentes que fazem concorrência com a agricultura da UE, não se leva em conta qualquer aspecto ambiental ou social, produzindo de forma desregrada e com estruturas de custos substancialmente inferiores.
É nesta conjuntura difícil, desfavorável para a economia e em particular para o sector agrícola, que devemos, mais do que nunca, encarar a inovação como factor crucial para emergir nesta competição global. A história diz-nos que é nos momentos difíceis, nas depressões, nas crises, que surgem as melhores ideias, as melhores soluções, em que nasceram grandes empresas que hoje são referências mundiais. Até se costuma dizer que a necessidade faz o engenho…
No sector agrícola a oportunidade actual está claramente numa agricultura que consiga produzir em quantidade, com qualidade, de uma forma eficiente, com objectivos centrados na segurança alimentar e tendo em conta as necessidades do consumidor. Essa agricultura deverá passar pelo regadio, uma vez que, no nosso clima mediterrânico, a irregularidade e imprevisibilidade da pluviosidade obriga necessariamente a regar para garantir o sucesso das produções agrícolas. Numa agricultura competitiva, ter água de qualidade e saber utiliza-la no momento e quantidade adequada, é claramente um factor chave do sucesso das produções agrícolas.
Nas cinco exemplos de explorações agrícolas analisadas – AtlanticGrowers/Hortas do Mira, Camposol, Frupor, Vitacress, Driscolis, Lusomorango – todas destacaram como fundamentais para o seu sucesso os aspectos climáticos favoráveis, as suas ligações empresariais ao mercado e a garantia da existência de água, disponibilizada pelo Aproveitamento Hidroagrícola do Mira. Estas empresas têm conseguido aliar os factores naturais do litoral alentejano, utilizando os recursos endógenos entre eles a água, de uma forma inovadora, recorrendo á mais avançada tecnologia mundial, para produzir os alimentos, as ornamentais, as aromáticas, ou outros produtos agrícolas que são exigidos pelos mercados consumidores.
Em que sentido se poderá inovar na agricultura? Basicamente tem-se inovado de três formas: inovar na redução de custos; inovar produzindo mais; inovar produzindo diferente.
Claramente tem sido mais “fácil” inovar na primeira, quer através da redução e racionalização dos inputs, quer pela mecanização, quer pela eficiência. Se considerarmos os elevados custos do combustível, da electricidade, dos fertilizantes, fitofarmacos e sementes, produzir alimentos na Europa só é possível porque existe uma elevada eficiência na mecanização, na racionalização dos meios e na organização do trabalho. Ao nível do aumento produtivo também se tem inovado, sobretudos através da evolução e melhoramento genético, das quais resultam melhores sementes, da alteração qualitativa das técnicas de regadio e fertirrigação, a que não será alheio também uma melhoria do planeamento, bem como na utilização de ferramentas tecnológicas. Inovar produzindo diferente tem sido claramente mais difícil. Neste caso há que dominar e estar atento ao mercado e aos consumidores. Mais do que nunca as oportunidades produtivas passam pela capacidade de sentir as necessidades objectivas do mercado, sabendo antecipar as suas expectativas de consumo. Não é demais repetir o que inúmeros técnicos já identificaram: um dos principais problemas da nossa agricultura é a organização da produção e do escoamento, levando até ao consumidor os seus produtos. Apenas acrescentaria que hoje em dia não basta, porque vamos com um atraso de anos numa corrida desigual. Mais que organizar há que pensar em inovar.
É isso que se está a fazer nas empresas que visitámos no litoral alentejano. Não se produz mais alfaces para abastecer um mercado inundado de alfaces, dizendo apenas que as nossas são melhores. O que se faz é um produto único, diferente, melhor: as saladas embaladas, prontas a usar, com uma variedade e qualidade que antes seria impensável. Este é apenas um exemplo para ilustrar esta perspectiva.
Podem estes exemplos replicar-se na nossa agricultura? Até certo ponto sim, mas há que atender que a massificação produtiva com inovação parcial pode ser perigosa. Veja-se o caso do olival no Alentejo: em três ou quatro anos aumentou-se extraordinariamente a área de olival, com as mais modernas tecnologias e com novas técnicas produtivas, com clara inovação ao nível do aumento produtivo e na redução unitária de custos. No entanto, não se tem inovado ao nível do consumo, pelo que todos concorrem com o mesmo produto, limitam-se a mudar os rótulos ou embalagens, confundindo os consumidores com inúmeras designações e classificações, levando a que sucessivamente tenha vindo a baixar o preço do produto. Aparentemente este aumento extraordinário de área e produção não foi planeado ao nível do mercado, sendo claro que há que inovar na ligação da produção ao mercado e aos consumidores, para valorizar o produto.
Uma solução inovadora no sector agrícola necessita necessariamente de escala para poder ser competitiva, mas não poderá ter uma escala tão grande que ultrapasse as necessidades do mercado, correndo nesse caso o risco de anular a sua rentabilidade. A área de couve chinesa ou plantas aromáticas que se produz no litoral alentejano não poderá ser aumentada até a um nível acima da capacidade de consumo do seu mercado específico. O que há que procurar é respostas inovadoras para as novas necessidades e expectativas dos consumidores.
A FENAREG com estas jornadas pretendeu alertar para estes casos de sucesso e para a necessidade de reflectirmos sobre a nossa agricultura. Somos claramente defensores do regadio e da boa utilização da água, sendo este um dos factores de produção fundamentais. Saber regar é importante, mas a agricultura de hoje é muito mais do que é isso, é tecnologia é inovação.
Ilídio Martins,
Vice-Presidente da FENAREG – Federação Nacional de Regantes de Portugal, em representação da Associação de Regantes e Beneficiários de Campilhas e Alto Sado (ARBCAS)
Atraso na Lei da Água. Causas e Consequências – Ilídio Martins