Apicultores portugueses estão apreensivos com a imagem que possa ser dada para o exterior depois da boa aceitação que está a ter o mel nacional nos mercados europeus.
Entre Janeiro e Março de 2022, operadores espanhóis importaram 9198 toneladas de mel e, deste total, “a indústria portuguesa vendeu 2261 toneladas, enquanto a China vendeu 2214 toneladas”. A informação vem publicada no Saldo de Importações de Mel relativo ao primeiro trimestre de 2022 e publicado no dia 1 de Junho pela organização agrícola espanhola Coordenadora das Organizações de Agricultores e Granadeiros (COAG). Mas neste documento é também assinalado que Portugal continua a posicionar-se como um dos principais países exportadores e interveniente no processo de “triangulação massiva” de mel chinês, que depois de misturado com mel espanhol é vendido como um produto com origem em Espanha.
O processo de triangulação foi identificado pela COAG em 2016 com a mudança repentina nas afluências de mel a Espanha, quando se verificou uma acentuada quebra nas importações provenientes da China, que ocorreu em simultâneo com o aumento das exportações a partir Portugal.
A organização profissional agrícola COAG e a União de Consumidores e Utilizadores (OCU) de Espanha uniram esforços e, durante quase um ano, tentaram perceber os contornos da situação. Observaram rótulos das mais variadas marcas nos estabelecimentos de vendas espanhóis, consultaram “inúmeros regulamentos complicados e incómodos” e interrogaram os responsáveis dos ministérios competentes na busca de uma resposta: onde e como se escondiam as toneladas de mel que vinham da China e que deixaram de constar nas importações deste produto nas estatísticas das exportações?
Descobriram então que Portugal se tornara o principal fornecedor de mel, ao exportar 6698 toneladas em 2020, o que representou 21% do total importado por Espanha naquele ano, destaca o relatório que as duas organizações elaboraram e divulgaram em Novembro de 2021 e que tem como título: “O misterioso caso do mel da China”, documento onde fazem o balanço da sua investigação.
“Como é que um país tão pequeno tinha uma capacidade de exportação tão grande?”, comentou, na altura, o responsável pelo sector apícola do COAG, Pedro Loscertales. Portugal tem 762.667 colmeias, 4% de toda a União Europeia, em comparação com mais de 2,9 milhões de colmeias em Espanha, 12% do total da UE.
O “mistério” foi desvendado quando os responsáveis pelas duas organizações foram às prateleiras dos estabelecimentos de venda e verificaram que a origem China e Portugal tinha desaparecido completamente dos rótulos das embalagens de mel.
A triangulação do mel
A COAG considera que, com base na análise dos dados relativos ao comércio externo espanhol, “o mel não é comprado directamente à China, como em anos anteriores a 2016.” A importação directa foi substituída pelo expediente da “triangulação do mel, através de outros países comunitários, principalmente de Portugal”, refere o relatório.
Esta confirmação suscitou de imediato outra questão de contornos preocupantes. “Um mel produzido na China e importado por um operador português, e posteriormente misturado com mel colhido em Espanha, pode adquirir origem espanhola se mais de 50% em peso da mistura final for espanhol.” Essa mistura, prossegue o documento, “poderá ser novamente misturada com novos lotes de méis originários da China, conferindo, mais uma vez, a origem Espanha às misturas finais subsequentes”.
Outra consequência destas misturas é que o mel “perde boa parte das suas propriedades” devido ao superaquecimento do produto. A operação “é feita a uma temperatura superior a 45 graus, a partir da qual perde as enzimas e as vitaminas. Alteram-se as qualidades e vendem-se soros em vez de mel”.
A COAG e a OCU realçam o paradoxo desta situação. “As práticas realizadas não são ilegais, mas a investigação deixa claro que […]