Agricultores convencionais preocupados com o ritmo da transição, enquanto os biológicos alertam que o actual modelo é já insustentável. O caso do Sri Lanka veio aquecer o debate.
A desastrosa e trágica experiência do Sri Lanka na transição para a agricultura biológica durou pouco mais de meio ano – sete meses, mais precisamente, antes de ser interrompida. E, apesar das muitas explicações sobre o seu fracasso, que se ficou a dever essencialmente à ausência de um período de transição, o caso tem sido pretexto para atiçar ainda mais o debate sobre o futuro da agricultura num planeta que em 2050 terá de alimentar perto de dez mil milhões de pessoas.
Só a agricultura convencional pode garantir alimentos para todos? Uma transição para a agricultura biológica, mais ou menos gradual, será condenar a população mundial à fome? As opiniões dividem-se e de forma radical, sobretudo numa altura em que a política da União Europeia (UE) se encaminha nessa direcção.
A estratégia do Prado ao Prato, integrada no Pacto Ecológico Europeu, estabelece como objectivo (não vinculativo) que os Estados-membros da UE tenham 25% da área agrícola em regime biológico até 2030 e reduzam o uso de pesticidas em 50% e o de fertilizantes em 20% (vinculativo). Em Portugal, o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) aponta para a meta de 19% de área em regime biológico até 2027.
“A questão de base é se o modelo de que estamos a falar [convencional] tem possibilidade de continuidade. E não tem. A agricultura moderna prometia uma série de soluções para a humanidade, mas está repleta de problemas. É absolutamente premente encontrarmos alternativas”, diz Alfredo Cunhal Sendim, agricultor biológico da Herdade do Freixo do Meio, em Montemor-o-Novo, Alentejo, e um dos grandes promotores da agroecologia em Portugal.
Perante o debate desencadeado pelo caso do Sri Lanka — onde a proibição do uso de fertilizantes e pesticidas foi imposta por decreto pelo Presidente que acabou por ter de fugir do país após uma revolta popular provocada pela fome e crise económica que aquela imposição ajudou a consolidar — e lembrando que “60% das pessoas do planeta vivem da agroecologia”, Cunhal Sendim considera que “assusta a violência com que o sistema tenta agarrar-se a esta ideia: aquilo que nos mata é para continuar e não há outra solução”.
O Sri Lanka “demonstra que, se fizermos a coisa de forma precipitada, não será possível alimentar toda a gente”, afirma, por seu lado, Felisbela Campos, da Syngenta, uma das gigantes de produtos para a agricultura, baseada na Suíça e presente também em Portugal. “Vai sempre haver uma percentagem de agricultura biológica, mas não é o que vai alimentar a humanidade. Se fizemos essa transição, o mundo não sobrevive.”
Os pesticidas e adubos químicos
No centro do debate está a utilização de maior, menor ou nenhuma quantidade de produtos fitofármacos, ou seja, pesticidas e adubos químicos, e as consequências que isso tem para a qualidade do solo e das águas.
A Estatísticas Agrícolas 2021, divulgadas a 22 de Julho pelo Instituto Nacional de Estatística, indicam que “Portugal é o país da UE com menor uso de fertilizantes minerais (azoto e fósforo)”, com um consumo de 31 quilos por hectare, enquanto a média europeia é de 72,6 quilos por hectare. Já no caso dos pesticidas, o valor nacional situa-se acima da média europeia, tendo sido vendidos 2,3 quilos de substância activa por hectare da Superfície Agrícola Utilizada (SAU).
Há novas tecnologias e novos produtos a serem desenvolvidos nos laboratórios, mas, alerta Felisbela Campos, “isto tem de se feito de forma muito inteligente, introduzindo os novos, mas não prescindindo dos antigos”. O problema é que “está a ser feito de forma muito precipitada”.
O que acontece é que “estão a acabar com ferramentas antes de haver alternativas já experimentadas no mercado”. E como “a Europa é muito regulamentada, a colocação no mercado de substâncias activas de perfil biológico demora imenso tempo”. O vazio que, entretanto, se cria “faz com que estejamos a caminhar para trás e não para a frente”.
Uma opinião partilhada pelo agricultor José Palha, produtor de milho no Ribatejo e Alentejo. “Vejo [a estratégia europeia] com algumas reservas. É sabido que a agricultura biológica produz menor quantidade de alimentos por área. […]