António Louro, presidente do Fórum Florestal, considera que defender a floresta exige várias alterações ao nível da gestão do território.
Para António Louro, as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP) poderão ser, finalmente, graças ao pacote financeiro do Plano de Recuperação e Resiliência, a resposta às necessidades de gestão territorial que há muitos anos defendia como essencial para proteger a floresta nacional do abandono e do risco crescente de incêndio, nas áreas mais atingidas pela desertificação humana, sobretudo em zonas de minifúndio.
O que está na base do problema dos incêndios rurais graves?
A nossa ferramenta de gestão do território, durante milénios, foi a aldeia e, na aldeia, estava o seu braço armado, que era o agricultor. Hoje, a grande maioria dos proprietários de terra, nos territórios onde o minifúndio é dominante, residem em Lisboa e nas cidades e isso está a criar enormes desafios de gestão do território, que o país ainda não interiorizou, mas que é urgente assumir, assimilar e tentar resolver. É possível gerir uma grande propriedade à distância, mas na pequena propriedade a distância gera normalmente apenas situações de abandono.
Em 2017, aquando dos grandes incêndios, disse que era necessário procurar novas soluções de gestão. Que evolução vê?
Os territórios rurais são muito diversificados, pelo que as soluções não poderão ser universais. Para terem sucesso têm de estar adaptadas às necessidades locais. A gestão individual do proprietário, com algum apoio associativo, é o sistema mais eficaz, infelizmente muitos territórios, pelo enorme êxodo, necessitam de novas ferramentas de gestão.
Em muitos territórios de minifúndio, a percentagem de terra em mão de proprietários não residentes é superior a 65% e, às vezes, a 70% e a 75%, o que coloca em causa a capacidade de gestão.
É uma luta que travamos há muito tempo, mas penso que temos, finalmente, em cima da mesa, aquilo que pode ser uma ferramenta para, pelo menos, testar conceitos, que é a criação das Áreas Integradas de Gestão da Paisagem (AIGP), que parece ser uma resposta adequada a esse desafio, pelo que importa também aqui salientar o papel fulcral do secretário de Estado das Florestas, engenheiro João Paulo Catarino. Ao contrário do que aconteceu com as ZIF no passado, desta vez parece estar assegurado um envelope financeiro capaz de viabilizar o seu arranque e funcionamento.
Que mais-valias trazem as AIGP para o mundo rural, para além do pacote financeiro?
Temos dados que nos permitem perceber que, em muitos territórios, onde a recorrência dos grandes incêndios é maior, a percentagem de terra em mão de proprietários não residentes é superior a 65% e, às vezes, a 70% e a 75%. Tratando-se de pequenas propriedades, na maioria das vezes com média fundiária inferior a 0,5 ha, com o proprietário a residir a centenas de quilómetros, está posta em causa a capacidade de gestão e o abandono acaba por ser, geralmente, a solução mais adequada.
As AIGP podem permitir, pela sua escala, colocar em prática os conceitos de planeamento, viabilizar o ordenamento e organizar sistemas de gestão por forma a ser possível reconstruir uma paisagem mais sustentável não apenas em termos ambientais, mas também sociais e económicos e com isso criar riqueza para os proprietários associados. Apesar de haver quem ainda não tenha percebido isso, os grandes incêndios florestais vieram para ficar, potenciados pela maior quantidade e continuidade de grandes cargas de biomassa na paisagem ao qual se junta um preocupante cenário de alterações climáticas, e a manutenção de níveis demasiado elevados de incêndios intencionais. Temos de nos preparar para estes níveis de risco.
De que forma?
Planeando, ordenando e gerindo o território, com poucas pessoas, de forma a criar riqueza para os proprietários, através de diferentes fileiras. Reduzindo as áreas florestais, mas procurando aumentar a sua produtividade, e valorizando os investimentos agrícolas ou criando condições para aproveitamento das energias renováveis.
De uma forma simples, necessitamos de recriar paisagens mais resilientes, parecidas com as que tínhamos há algumas décadas. É necessário aumentar a compartimentação dos espaços, favorecer as descontinuidades e fazer muitas ações que não são interessantes do ponto de vista económico no curto prazo, mas que são essenciais para a viabilidade da exploração florestal, que necessita de ciclos longos. As AIGP e a gestão conjunta podem possibilitar a efetivação dessas ações e partilha entre todos os interessados no território, dos muitos benefícios e alguns dos custos dessas ações fundamentais para a sustentabilidade de todo o ecossistema.
O artigo foi publicado originalmente em Produtores Florestais.