Tão longe e tão perto – Carlos Neves

Se é certo que a época de sementeiras continua a ser um tempo de trabalho intenso, houve uma evolução brutal (Gaspar diria colossal) desde os arados puxados por vacas há 60 anos passando pelos pequenos tractores de há 30 anos até chegar aos modelos com tracção, ar condicionado ou caixa automática que podemos usar hoje. E a diferença entre a silagem de erva com automotriz ou rolos plastificados e os milhares de fardos de feno que carregávamos à mão? E ainda se lembram de quando não se deixava caminhos para a máquina de rega e mudávamos os canos e aspersores no meio do milho? E depois era preciso um rancho de gente para “abrir caminhos” e meter milho à posta. E quando o milho estava molhado ou tinha caído por causa do vento? E passava-se um mês a ensilar e a espalhar a silagem à mão no silo. E depois das silagens e vindimas ainda havia esfolhadas também manuais…

A evolução tecnológica da nossa agricultura foi enorme e deixa pasmado qualquer visitante que venha da “cidade” com a ideia da agricultura primitiva do carro de bois e descubra os novos tractores, unifeeds ou sistemas de ordenha robotizada. Na cidade também passou a haver telemóveis, computadores ou micro-ondas, mas creio que, em proporção, a evolução tecnológica da agricultura foi superior à da sociedade envolvente, porque se partiu muito atrás. Conseguimos assim fazer mais e melhor com menos esforço físico e compensar (por vezes) com esse aumento de produção a perda de rendimento por unidade produzida.

Chegámos aqui a um primeiro paradoxo: O rendimento dos agricultores tem evoluído no sentido inverso da tecnologia agrícola. Temos hoje melhores tractores, produzimos melhor milho e melhor leite mas recebemos menos por esse leite e pagámos mais pelo gasóleo, adubos, rações e outros factores de produção.

Porque evoluímos tanto na tecnologia e tão pouco no rendimento? Talvez porque seja mais fácil ir ao Stand comprar um tractor do que investir na nossa capacidade pessoal de gestão, comunicação e participação associativa. Talvez porque investimos imenso (e com apoios) na tecnologia de produção e muito pouco na valorização do produto. Entregámos esse assunto aos dirigentes das cooperativas e administradores de indústrias, alguns pagos a peso de ouro mas sem que o produtor veja o resultado desse “investimento”. Investimos pouco ou quase nada na formação de dirigentes associativos e cooperativos. Todos os anos, por imposição legal, uma parte dos lucros das cooperativas é destinada à “reserva para formação cooperativa”. Que cursos se organizaram? Quem participou neles? A valorização dos nossos produtos e a economia nos factores de produção dependem do bom funcionamento das nossas organizações agrícolas e esse bom funcionamento depende dos dirigentes e demais associados, que também devem investir algum tempo para acompanhar o funcionamento das organizações que lhes pertencem, procurarem formação e, dentro do possível, disponibilizarem-se a participar na gestão e tomada de decisão nas suas/nossas organizações agrícolas. Evoluímos imenso na tecnologia de produção. Temos de fazer o mesmo na gestão pessoal e das nossas organizações.

Carlos Neves

Sinais de Roma para a nossa agricultura – Carlos Neves


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