Muitos milhões depois – António Ventura

Depois de uma despesa pública que ascende a 345 milhões de euros no âmbito do PRORURAL e durante o período de 2007 a 2013, importa saber do “estado” da nossa agricultura.

Importa saber de aspetos que considero básicos para a sustentabilidade da agricultura açoriana, como o grau da nossa dependência alimentar externa, a formação dos preços, a existência de conhecimento prospetivo, a política de planeamento, a matriz familiar da agricultura, o contributo do agroalimentar para contrariar o despovoamento, o envelhecimento ou o peso dos apoios públicos no rendimento dos agricultores.

Na realidade nenhuma destas condições ainda está satisfeita. Não se compreende como é que não se conhece com o pretendido rigor quanto custa produzir um litro de leite, um quilo de carne ou as contas de cultura em cada Ilha. Só com este acompanhamento é possível construir-se medidas, ações e revindicações. O princípio é simples, não se pode atuar sobre aquilo que não se conhece.

Temos um serviço regional de estatística que se limita a registar dados, o que representa uma verdadeira limitação na política prospetiva.

Sem este conhecimento é o mesmo que governar “às cegas”, aliás, não temos uma política agrícola regional, temos uma estrutura governativa que se dedica a distribuir os fundos comunitários na Região.

A agricultura nos Açores continua a ser um setor sem planeamento. Evitar os deficits e os excessos, promover a concentração dos produtos de forma a combater o desequilíbrio negocial nas fileiras agrícolas e publicitar de maneira coordenada devem ser metas presentes numa política de planeamento regional.

A caminhada para o “preço justo” não pode permanecer na utopia. Impõe-se, neste sentido, acompanhar os preços, monitorizar o funcionamento dos mercados e implementar mecanismos de regulação. Uma tarefa urgente de cariz legislativo para impedir a especulação económica e a manipulação dos preços.

Bom, mas para o desejado planeamento agrícola, interessa constituir o Plano de Ilha e definir as aptidões de cada uma das nossas nove parcelas.

O erro governativo tem sido “confundir” os agricultores com a possibilidade de se poder produzir tudo em todos os lugares, mesmo sabendo-se à partida que determinadas produções não têm viabilidade e só conseguem sobreviver com enormes gastos financeiros para os contribuintes.

Neste sentido, verifica-se, em algumas Ilhas, estruturas sobredimensionadas e outras subdimensionadas, como é o caso de unidades lácteas e de abate. Uma constatação que provém de uma arrepiante falta de estratégia, onde prevalece a obra.

Mas planear também se deve aplicar ao imprescindível avanço legislativo que tem de ocorrer nos produtos locais. Não podemos continuar a dizer que produzir localmente é uma vantagem sem plasmar esta virtude em letra de Lei.

É necessário implementar um quadro legal e jurídico de reconhecimento e valorização da importância económica, social, de saúde, ambiental e de diversidade alimentar destes produtos. Ou seja, a proximidade produtiva tem de deixar de ser um valor retórico e a certificação tem de passar do produto ao processo.

Estou convicto que o setor agroalimentar é único sistema que de modo rápido e seguro pode contrariar o desemprego, promover a fixação de pessoas, criar riqueza, contribuir para o reassumir de determinados valores sociais e reforçar a nossa identidade. O verdadeiro motor da recuperação.

É de todo necessário criar novas atuações para a pequena e média produção como seja um estatuto jurídico próprio e um enquadramento financeiro adequado e orientado.

Neste contexto, deve-se ligar alguns apoios comunitários à qualidade intrínseca dos alimentos, promover os produtos com base no território e nos benefícios para a saúde humana, reconhecer a função humanizante da agricultura em Ilhas tendentes ao despovoamento e ao envelhecimento.

Desde logo, as políticas agrícolas e fiscais têm de ter em conta os problemas de saúde pública, como acontece com o álcool ou o tabaco.

Julgo também fundamental a criação de um Programa Alimentar Regional. Os Açores não possuem uma política dirigida a esta temática. Cada área da governação faz um pouco de tudo, sem haver a concertação que o tema merece.

Falo de uma política que resulte de interações sectoriais, designadamente entre áreas como: a agricultura, a saúde, a educação, a transformação, o marketing, a qualidade dos produtos e a segurança alimentar.

Considero, ainda, que os produtos tradicionais da região devem avançar para novas qualificações. Um “selo” que autentique para além da especificidade histórica e cultural a sustentabilidade futura dos territórios. Este é o próximo passo, para assumirmos a dianteira da diferenciação. E a diferenciação é a chave do sucesso.

Se não rompermos com o imobilismo continuaremos a ter uma agricultura medicamente assistida, isto é, “ligada às máquinas”. Ligada a um rendimento virtual que cada vez menos provém do trabalho.

Finalmente, convém alertar para o facto de que a boa utilização dos fundos comunitários não pode ser avaliada só pela taxa de execução mas, sobretudo, pelo impacto social e económico na vida das pessoas. Os Fundos têm de ser avaliados pelo investimento na criação de riqueza e de emprego.

António Ventura
Deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores

Certificação dos produtos. Ainda à espera – António Ventura


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