Não vale a pena chorar sobre quotas derramadas – Carlos Neves

As quotas leiteiras acabam a 31 de Março de 2015. Passámos os últimos anos a ouvir e repetir que o fim das quotas seria catastrófico para a produção de leite em Portugal. Por falar nisso, os últimos anos, nomeadamente 2009-2012 é que foram catastróficos… A existência de quotas não impediu a baixa do preço do leite ao produtor quando mais subiu o custo de produção, alegadamente por excesso/importação de sobras de leite dos países vizinhos.

O discurso da catástrofe baseou-se em três motivos: primeiro, eram precisas palavras fortes para passar a mensagem na comunicação social; Por exemplo, se eu disser que o futuro vai ser bom sem quotas, vão rir-se de mim; se disser a verdade, isto é, que não sei e ninguém sabe exatamente como vai ser, não tem interesse; Se disser que vai ser mau, acreditam. Se disser que vai ser muito mau, acreditam, tem medo e leem o resto da notícia. Segundo motivo para o discurso da catástrofe: a globalidade dos peritos, políticos e dirigentes agrícolas acreditou e acredita que vai ser mau e carregou nos “avisos” para tentar evitar o fim das quotas. Não serviu. Só Portugal e meia dúzia de países defenderam a continuação das quotas; Terceiro motivo: se fosse impossível manter as quotas, esperava-se conseguir alguma compensação ou ajuda pelo fim das quotas; Parece que vamos ter uma ajuda direta de 82 euros vaca/ano (resta saber o limite por exploração), o que dá para comprar comida para uma vaca leiteira durante 12 dias; os outros 353 dias ficam por conta do “mercado”, isto é, do preço do leite.

O discurso da catástrofe, que como expliquei acima teve boas intenções, tem o defeito de levar á desmotivação e desistência. Se a produção de leite não é viável em Portugal sem quotas, para que estamos a investir em terrenos, vacarias, ordenhas, tratores? Porque havemos de investir tempo e preocupações nas organizações agrícolas? Para que servem os investimentos nas cooperativas e fábricas de lacticínios? Dizem que vai ser uma desgraça, pagam pouco pelo leite e depois queixam-se que se instalam poucos jovens na produção de leite. Pudera!

A minha previsão, baseada no que vivemos nos últimos 30 anos, é que, com ou sem quotas, vamos ser menos produtores mas os resistentes vão continuar a produzir leite… e a sofrer, com um trabalho duro e mal pago. Poderemos reduzir esse sofrimento trabalhando melhor em casa para reduzir o custo por litro de leite e trabalhando melhor nas organizações / indústria / comercialização para valorizar melhor o bom leite que produzimos. O que não vale a pena é sofrer com saudades das quotas como se tivessem sido um “mar de rosas” e sofrer por antecipação com um futuro que em rigor não sabemos como será.
Não adianta chorar pelo leite derramado nem vale a pena chorar o fim das quotas. Ok, foi bom haver um regime a evitar excessos de produção, mas não evitou os preços baixos dos últimos anos. Foi boa a negociação inicial de Portugal ao garantir uma quota superior á produção, mas que dizer das trapalhadas que se passaram cada vez que corremos o risco de ultrapassar a quota? Que dizer do alerta tardios sobre o risco de ultrapassar a quota e da retenção de parte importante do pagamento do leite a quem passava a quota durante meses? Que dizer do dinheiro que se gastou em aluguer de quota? Da aventura que foi ir de madrugada à procura de alguém que vendesse quota? Do dinheiro que se gastou a comprar quota, muitas vezes sem fatura, porque não havia disponível quota com fatura e porque também não podia ser amortizado como investimento porque a quota era considerada património? Fiz uma estimativa de 20 milhões de euros que se gastaram em quota leiteira na região norte. Que dizer dos intermediários que ganharam dinheiro sem pagar impostos? Das dezenas (?) de produtores que foram enganados e ficaram sem dinheiro e sem quota? Sim, o regime das quotas protegeu a produção de leite em Portugal, mas os produtores, muitos produtores sofreram muito com essa proteção. É bom lembrar, antes que alguém, à boa maneira portuguesa de sentir saudade, comece a dizer que antigamente, quando havia quotas, é que era bom!

Carlos Neves

Cavem aqui, não cavem daqui mas vão praxar para outro lado! – Carlos Neves


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