Mais papista que o papa! – Graça Mariano

A expressão: Mais papista que o papa! É comumente utilizada quando nos referimos, ao povo português.

Expressão infeliz e que me desagrada por se referir à reputação do povo a que pertenço.

Significa, que os portugueses, segundo se houve por aí, gostam sempre de serem mais exigentes, no sentido depreciativo.

Se é para ter zelo, então o português terá mais facilmente excesso de zelo. Se é para tomar uma medida, nem pensa, toma-a logo, mesmo que depois perceba que foi cedo demais e que foi despropositada. Normalmente, e mais uma vez infelizmente, somos conhecidos por querermos ser o estudante aplicado, o que nunca se insurge contra o que lhe dizem ou exigem. Simplesmente aceitamos!

Esta forma de ser dos portugueses é geral e tem aplicação bem visível na administração pública.

Para sustentar esta doutrina, tenho que relatar um episódio que aconteceu recentemente com uma empresa portuguesa que foi sancionada porque o termógrafo da viatura de transporte de carne refrigerada não tinha a metrologia legal atualizada.

Estando Portugal na União Europeia, sempre que existe legislação harmonizada, sob a forma de regulamentos, estes têm aplicação direta nos estados-membros, apenas necessitando de serem traduzidos e de se criar o respetivo regime sancionatório para se aplicar no respetivo estado-membro.

O Regulamento 37/2005 em Portugal, determina no n.º 1 do artigo 2.º, a obrigatoriedade de instrumentos de registo adequados para controlar, com intervalos frequentes e regulares, através de registos automáticos, os meios e transporte e as instalações de depósito e armazenagem de alimentos ultracongelados. Contudo, a  Portaria 1129/2009, da lavra do Instituto Português da Qualidade (IPQ) decide que em Portugal, não só os registadores de temperatura para ultracongelados (viaturas e câmaras) devam ser objeto de controlo metrológico, mas também os registadores de temperatura de congelados e refrigerados (viaturas e camaras).

Assim, o novo D.L. Decreto-Lei nº 29/2022, de 7 de abril, também da autoria do Instituto Português da Qualidade (IPQ), estende por sua incitava a obrigação aos congelados e refrigerados, criando regime sancionatório, ainda que não exista esta determinação no regulamento 37/2005.

O IPQ, apenas tinha que criar o regime sancionatório e transcrever as obrigações legais do regulamento 37/2005. Era só isto que precisava de ser feito, não precisava de ser criativo e de acrescentar alíneas, artigos e obrigações, que não existem nos outros estados-membros.

Afinal, não estamos no mercado europeu? Afinal o mercado não é livre e com regras comuns a todos os operadores dos estados-membros???

Claro que sim, não fosse a premissa que nos rege: “somos “papistas”! Por isso, não bastava fazer apenas a tradução, o IPQ tinha que acrescentar mais umas obrigaçõezitas, para sermos melhores que os outros europeus. Ah pois! Cá em Portugal, orgulhamo-nos de sermos mais exigentes! Os nossos operadores têm que se esforçar mais, somos mais importantes, ganhamos menos e tudo é mais caro. Grande país!

Por outro lado, a DGAV (Direção Geral de Alimentação e Veterinária) divulgou o esclarecimento técnico que também deixa bem patente esta questão, esclarecendo que apenas é obrigatória a presença de registadores de temperatura em instalações e viatura de ultracongelados, tal como previsto no regulamento 37/2005.

De que vale um Regulamento Comunitário, que sabemos tem aplicação direta em cada estado-membro, se depois Portugal cria outro diploma de âmbito nacional e de caracter mais restritivo.

De que vale o mercado livre e a legislação harmonizada?

O IPQ cria legislação nova que que é mais exigente, apenas para os operadores portugueses e ninguém diz nada? Mas para quê?

Aqui está a confirmação da premissa inicial, somos de facto mais papistas que o papa!

Aceitamos, só! Não nos insurgimos, não contrapomos, não reivindicamos a equidade que se impunha.

Mesmo que nos prejudique, mesmo que nos coloque em desvantagem relativamente aos outros parceiros europeus, atrevo-me a dizer, que “comemos e calamos!”

Face a este imbróglio, o IPQ foi contactado, tendo respondido que estando em curso a revisão da Portaria nº 1129/2009, poderá equacionar-se uma nova redação onde subsistirem dúvidas de interpretação.

Senhores dirigentes do IPQ, os associados da APIC, assim esperam!

Que deixem de ser “mais papistas que o papa” e que não criem requisitos aos operadores portugueses que não são exigíveis aos operadores dos outros estados-membros, criando desvantagens económicas relativamente aos parceiros europeus!

Senhores operadores cumpram a legislação, mas exijam mais das vossas autoridades competentes! Estas são constituídas por pessoas, e as pessoas falham, onde quer que trabalhem!

Graça Mariano

Diretora executiva da APIC

Fonte: APIC


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